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ATOS DE SERVIÇO COMO ‘LINGUAGEM DO AMOR’: SERÁ QUE VOCÊ SÓ SE SENTE AMADA QUANDO
ESTÁ SENDO ÚTIL?

 * Redação Kanal Mulher
 * julho 31, 2024
 * 12:00


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> Refletindo sobre o tema, mulheres questionam o motivo de ter atos de serviço
> como sua ‘linguagem do amor’. A psicóloga Priscila Sanches disserta sobre a
> socialização de mulheres e de homens: ‘Realidade que faz com que o seu valor
> esteja muito atrelado à utilidade’

 

Você já ouviu falar nas cinco linguagens do amor? A teoria foi publicada em 1992
pelo pastor e conselheiro matrimonial estadunidense, Gary Chapman, em seu livro
As 5 Linguagens do Amor: Como Expressar um Compromisso de Amor a Seu Cônjuge
(Mundo Cristão, 208 páginas, R$41). Na obra, o escritor declara que o amor é
vivido de diferentes maneiras pelas pessoas: cada uma teria uma linguagem de
amor primária e os casais dariam um match melhor se um “falasse” a língua
preferida do outro. São eles:

 * palavras de afirmação: elogios, incentivos e declarações;
 * tempo de qualidade: dar atenção completa e exclusiva à pessoa;
 * presentes: uma flor, um chocolate ou algo feito por você;
 * atos de serviço: realizar tarefas e ajudar em coisas práticas;
 * toque físico: andar de mãos dadas, cafuné, abraços, beijos e sexo.

O conceito criado por Chapman segue fazendo sucesso mesmo depois de 30 anos,
vendendo mais de 20 milhões de cópias até os dias de hoje. O assunto se
popularizou tanto que até gerou memes entre a Geração Z. Vídeos do TikTok com a
hashtag #LoveLanguage têm mais de 5 milhões de visualizações.

O tópico, porém, também é alvo de reflexão. No Instagram, a chef e comunicóloga
Samanta Luz questionou suas seguidoras: “Será que sua linguagem do amor é atos
de serviço mesmo, ou será que você foi ensinada a servir o outro compulsivamente
como a maioria das mulheres foi ensinada? Será que você só se sente amada quando
está sendo útil?”.

Essa análise gerou um debate na rede social. Uma das respostas, da professora
Júlia Costa, diz como ela foi criada para ser cuidadora. “Mergulhei nessa
reflexão durante muito tempo e finalmente aprendi que em muitas relações humanas
da minha vida eu era apenas útil, não amada. Na maior parte dela, na verdade,
porque fui criada pra ser cuidadora, servir, abdicar de mim em função dos
outros”, declara.

A própria Samanta Luz reitera como o caso é ainda mais estridente para pessoas
pretas: “Para nós, é ensinado não só pelos nossos pais ou cuidadores, mas pela
sociedade, que nos vê como uma pessoa útil e serviçal. Chega uma hora que temos
que saber nosso lugar e nos despir dessa roupa que nos colocaram”.

Priscila Sanches, psicóloga com especialidade em questões de gênero, lembra que
o livro de Chapman traz os atos de serviço como a linguagem do amor mais comum
para as mulheres e para os homens as palavras de afirmação. “O perigo é não
entender essa obra com olhar mais crítico, trazendo a problemática dos papeis de
gênero, da socialização de mulheres e de homens, para compreender porque cada
linguagem dessa é mais comum em homens e outras mais comum em mulheres.”

Ela também discute que atos de serviço é uma “linguagem de amor” tão comum entre
as mulheres por conta da socialização feminina. “As mulheres são ensinadas a se
doar, a cuidar dos outros e a não se priorizar, essa é uma realidade que faz com
que o seu valor esteja muito atrelado à utilidade dela, a função do cuidado, ao
da reprodução também.”

Para a especialista, essa reflexão é muito pertinente, porque faz com que as
mulheres pensem sobre as influências sociais que recebem. “Muitas vezes os
nossos padrões de comportamento são lidos como naturais, até biológicos, e esse
é um grande equívoco. Muito se tem para comentar sobre as influências culturais
e sociais que a gente recebe, especialmente como mulheres em uma sociedade tão
machista.”


A PROBLEMÁTICA DO LIVRO

Em artigo publicado em janeiro deste ano na revista Current Directions in
Psychological Science, um grupo de pesquisadores canadenses questionou a
validade científica do conceito publicado por Chapman. Revisando a literatura
científica da obra, eles concluíram que o livro não tem suporte em evidências
empíricas.

“Apesar da popularidade do livro de Chapman, há uma escassez de trabalho
científico sobre as linguagens do amor e, coletivamente, não fornece forte
suporte empírico para as três suposições centrais da obra de que (a) cada pessoa
tem uma linguagem de amor preferida, (b) existem cinco linguagens do amor e (c)
os casais ficam mais satisfeitos quando os parceiros falam a língua preferida um
do outro”, afirma o texto.

Priscila Sanches também enfatiza que, por ter sido escrito por um pastor, as
afirmações dentro da obra trazem alguns conceitos muito comuns também nos dogmas
religiosos — e é preciso se atentar a elas com um olhar crítico.

“Por exemplo, o perdão ser um ato de amor também tem uma influência religiosa
muito grande. Ele acaba sendo até uma maneira de revitimizar mulheres que são
cobradas a perdoar os seus abusadores, os seus parceiros que cometem traições
compulsivas ou violência doméstica e muitas vezes essas obras podem simplificar
muito esse tipo de atitude e tratar o perdão apenas como uma virtude feminina”,
observa.

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