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emocional e...
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DANIEL SAMPAIO: “O QUE INTERESSA É A FAMÍLIA ENQUANTO ESPAÇO EMOCIONAL E COMO É
QUE AS PESSOAS SE RELACIONAM UMAS COM AS OUTRAS”

Carolina Neto e Luana Augusto (Universidade Lusófona)

Outubro 1, 2022
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Os jovens casam-se cada vez menos mas “o desejo de ter filhos continua a
existir”. Difíceis são as “condições económicas para os ter”, argumenta Daniel
Sampaio. O psiquiatra de 75 anos investiga e desenvolve terapia familiar em
Portugal há décadas. Em entrevista ao REC, deixa um alerta aos pais: nunca se
devem “demitir do seu papel de educadores, mesmo com filhos já crescidos”.

“Subam, subam, é aqui em cima!”, ouviram as jornalistas do REC, mal transpuseram
a porta do prédio cor de rosa de quatro andares, em Lisboa, onde vive Daniel
Sampaio. O psiquiatra recebeu-as na sala de estar do seu apartamento, de soalho
castanho escuro brilhante. Autor de mais de 30 livros e um dos responsáveis pela
introdução da terapia familiar em Portugal, define a família como um espaço
emocional de relações, e aponta “os problemas de controlo por parte dos pais e
de autonomia por parte dos filhos” como os principais motores de conflitos. A
solução? Ouvir, ouvir, ouvir. Porque “os pais, muitas vezes, e os professores,
também, não ouvem as pessoas novas”, afirma. A entrevista terminou como começou,
com sorrisos e amabilidade.

Reprodutor de áudio
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Áudio: ouça a entrevista na íntegra

Existem configurações familiares que se afastam das tradicionais, como é o caso
das famílias monoparentais, das reconstituídas ou das adotivas. O que define uma
família?
A definição moderna de família é um espaço emocional. Um espaço em que as
pessoas têm diversos tipos de ligações. Existem ligações de sangue, entre pais e
filhos, mas também existem ligações emocionais numa família de adoção ou numa
família em que há padrastos e madrastas. O que interessa é ver como é que as
pessoas se relacionam umas com as outras e como é que as emoções, positivas e
negativas, se podem entrecruzar de modo a dar mais bem-estar.

Mas tem havido uma evolução daquilo que se entende por família…
O conceito de família tem evoluído muito, particularmente a partir dos anos 60
do século XX. Antes, o casamento era muito mais estável. Até 1960,
aproximadamente, a mulher estava em casa a tomar conta dos filhos e o homem saía
para trabalhar. Quando as mulheres foram para o mercado de trabalho, apareceu
também a contraceção, ou seja, a família pôde planear os filhos, porque antes os
filhos que apareciam eram por acaso, ou por ordem de Deus, para as pessoas
religiosas. A partir do momento em que se começou a fazer planeamento familiar,
a família mudou. Passou a haver menos filhos, o elo conjugal entre o homem e a
mulher tornou-se mais frágil, e começaram a aparecer os divórcios, que hoje em
dia são muito frequentes.

Depois, apareceram outras configurações familiares. Famílias pós-divórcio,
famílias pós-morte de um dos cônjuges, e passou a haver famílias reconstruídas
ou reconstituídas, usam-se os dois termos. Passou também a haver famílias
monoparentais e, mais recentemente, passou a haver famílias de casais do mesmo
sexo, que é uma mudança já do século XXI, quando os casais do mesmo sexo puderam
casar e adotar crianças. É uma nova forma de família, muito diferente do que era
na primeira metade do século XX. Mas em todas elas, o que interessa é a família
enquanto espaço emocional e como é que as pessoas se relacionam umas com as
outras.

Daniel Sampaio recebeu as jornalistas do REC na sua sala de estar. Foto:
Carolina Neto

Qual é o papel do jovem no seio de uma família?
O jovem no seio de uma família é um adolescente ou um adulto jovem, é aquele que
vai abrir caminho para uma nova família. A adolescência é uma época de
descoberta e os adolescentes colocam desafios muito importantes à família,
porque querem ser autónomos, querem seguir a sua vida, fazer a sua trajetória,
mas, ao mesmo tempo, emocionalmente ainda estão muito dependentes dos pais.
Muitas vezes, nesse período, há um conflito entre a autoridade dos pais e o
desejo da autonomia dos filhos.

Existe tensão?
Sim, na adolescência há tensão entre pais e filhos. Os pais costumam dizer que é
a época mais difícil. Mas na maioria dos casos corre bem, ou seja, há
turbulências, mas se a família tiver capacidade de perceber esse movimento de
autonomia, acaba por ser um período de desenvolvimento bom porque é um período
muito criativo e de descoberta. Nas famílias saudáveis, os pais mantêm alguma
autoridade, mantêm algum poder de decisão, mas os filhos também têm capacidade
de ser autónomos até que, mais tarde, (hoje em dia lá para os 30 anos), podem
ser independentes e constituir uma nova família.

E para a maioria dos jovens, a família é um lugar de aprisionamento ou um lugar
de conforto?
A família é essencial para as pessoas novas, para as crianças e para os
adolescentes. Todos os estudos apontam que a principal influência nas crianças e
nos adolescentes são os seus pais e, portanto, aquilo que os pais devem fazer é
nunca se demitir do seu papel de educadores, mesmo com filhos já crescidos. O
que acontece muitas vezes é que, devido a esse conflito que há entre a autonomia
e a necessidade de alguma autoridade dos pais, aparece turbulência, aparecem
conflitos, mas, de uma forma geral, [no interior da família] é mais uma sensação
de conforto que as pessoas têm, de bem-estar, do que de conflito.

Que impacto teve a pandemia nas relações entre os jovens e as suas famílias?
Bem, teve um impacto muito grande. Nas famílias que já tinham uma boa
comunicação, em muitos casos, foi uma experiência boa – as pessoas poderem estar
em conjunto e conhecerem-se melhor. De uma forma geral, como as pessoas se
afastaram mais fisicamente e houve menos contactos, e os estudantes tiveram
muito tempo em casa, excessivamente em casa, a pandemia teve uma consequência
negativa sobre a saúde mental das pessoas jovens.

Os jovens podem precisar de terapia sem o saberem?
Sim. Eu não sou a favor de que todas as pessoas tenham de fazer terapia. Para se
fazer uma terapia é preciso ter motivação. Agora, o que acontece é que há
pessoas que não percebem bem o que se passa ao nível da sua saúde mental. A isso
chama-se literacia em saúde mental, ou seja, nós temos que ter campanhas e
sessões que ajudem as pessoas a descodificar os sinais de mau estar psicológico,
porque pode até haver ferimento psicológico ou mal-estar, mas isso não é uma
doença. O importante é perceber, quando esse mal-estar se prolonga, que podemos
estar na presença de uma doença e, nessa altura, é que as pessoas devem procurar
ajuda.

Quando o procuram para fazer terapia familiar com jovens envolvidos quais são os
problemas mais frequentes?
São os problemas de controlo por parte dos pais e de autonomia por parte dos
filhos. Os adolescentes não podem ser deixados “ao deus dará”, a fazer tudo o
que lhes apetece, mas, ao mesmo tempo, têm que ter alguma autonomia. Os
adolescentes que ficam demasiado dependentes dos pais, não crescem
emocionalmente. O problema principal é esse: a autonomia que o jovem quer ter, o
querer fazer tudo, e o controlo que os pais acham que devem ter.

Uma vez perguntei a um jovem de 16 anos como é que definia uma adolescência
normal e ele disse-me, “adolescência normal é pedir tudo e ficar com aquilo que
os pais dão”, o que é uma boa definição. É natural que um jovem de 16 anos peça
muita coisa – para sair muito à noite, para comprar roupa, para estar com os
amigos, para não vir a casa, para beber… Várias coisas que se experimentam na
adolescência, mas é preciso, depois, os pais dizerem “não vás por aí”. Os pais
têm um papel de controlo importante e é esse equilíbrio que é preciso manter.

Sendo assim, que conselhos costuma dar?
O conselho principal é ouvir muito as pessoas. Os pais, muitas vezes, e os
professores, também, não ouvem as pessoas novas. Em toda a minha vida procurei
passar esta mensagem: as crianças e os adolescentes têm coisas para dizer sobre
a sua própria educação. Mesmo uma criança muito pequena tem uma noção do que é
que é importante para ele ou para ela, e na adolescência isso é decisivo. Em vez
de dizermos “a regra é esta!” e impormos uma regra, é preciso dizer “temos aqui
uma regra que é importante, como é que vamos pôr a regra em funcionamento?”.

Por exemplo, o jantar é um momento em que muitas famílias se reúnem. Mas as
pessoas estão muito ocupadas. Os pais chegam tarde do trabalho, é preciso fazer
o jantar, arrumar a casa, se houver irmãos mais novos, dar banho aos irmãos mais
novos, há uma série de trabalhos escolares. Então, o que é importante é saber
como é que nos vamos organizar para às oito e meia estarmos todos a jantar.
Porque, se não se faz isso, há um que está a jogar um jogo eletrónico com os
amigos, “não quero interromper”, o outro está a ver televisão, “não quero
interromper”, a mãe está na cozinha ou o pai não consegue acabar as coisas a
tempo… A família tem de se organizar para estar algum tempo em conjunto. Para
isso, é preciso perceber como é que cada um pode contribuir para que isso
aconteça.

Quando o jovem sai de casa, que mudanças existem na relação com os pais?
Bom, em primeiro lugar, quando muda de casa, é preciso saber se vai sozinho ou
acompanhado. Quando um jovem sai de casa sozinho, é um movimento de libertação,
é um movimento de descoberta e de autonomia. Depois, se ele tem um companheiro
ou uma companheira é preciso introduzir esse companheiro na família. E esse é o
movimento que é preciso fazer, ou seja, o jovem casal tem que se relacionar bem
um com o outro, como é desejável, mas cada um deles deve ter relações com a sua
família de origem.

Nem sempre isso é fácil, porque às vezes os pais não gostam do parceiro ou da
parceira do filho e, portanto, o jovem casal deve ter algum cuidado na forma
como aparece junto da sua família, ou seja, deve manter algum contacto com a sua
família de origem, mas deve sempre lutar pela sua emancipação, pela sua
autonomia. Quando nasce um filho desse casal, muitas vezes o que acontece é que
a família de origem se aproxima demasiado do neto e há novamente conflitos.
Nessa altura, é preciso apoio dos pais de um lado e de outro, mas é preciso que
o casal saiba estabelecer algum limite com as respetivas famílias de origem.

Que conselhos daria a um jovem que quer ser autónomo, mas não consegue, por
exemplo, comprar ou alugar uma casa, vendo-se obrigado a permanecer na
dependência dos pais?
Agora cada vez acontece mais isso, porque as casas estão muito caras e porque
muitas vezes não há empregos, portanto, nós temos muitas pessoas licenciadas
nessa situação. O conselho que eu dou é que permaneça em casa dos pais, mas lute
pela sua autonomia, porque há muitas formas de estar em casa dos pais. Uma
pessoa, por exemplo, de 25 anos, que já podia viver sozinha, mas permanece em
casa dos pais, é muito importante que colabore na vida doméstica, que ajude em
casa… Não é a mãe nem o pai que têm de tomar conta dele. Se tiver uma semanada
ou uma mesada, deve gerir bem o dinheiro e não estar sempre a pedir dinheiro aos
pais. Ao mesmo tempo, deve ter momentos em que não está em casa. Pode ir ficar
na casa de um amigo, pode passar férias com pessoas diferentes, de modo a que,
ao mesmo tempo, vá cultivando a sua vida autónoma.

Casar de forma oficial ainda faz parte do horizonte habitual de desejos de um
jovem?
Cada vez menos. Cada vez há menos casamentos. O que acontece é que as pessoas,
às vezes, vão viver juntas e às vezes casam mais tarde. Eu tenho tido muitas
situações em que, por exemplo, o casamento se dá com o nascimento do primeiro
filho. Portanto, digamos que o projeto de casamento clássico com papéis e com
uma cerimónia religiosa é, hoje em dia, menos frequente. As pessoas fazem uma
experiência de vida em comum.

Ora, o que é importante, é pensarmos no relacionamento do casal. E essa é uma
área de que se fala pouco em Portugal. Devia começar a falar-se logo na escola
secundária. Sobre temas como a educação sexual, por exemplo, a questão da
violência no namoro, o uso do álcool e das drogas. Para, quando o casal for
viver sozinho, já ter algumas competências para lidar com essas situações.

E quanto a ter filhos, o que pensam os jovens?
Os filhos agora aparecem sempre depois dos 30 anos e antigamente as pessoas
tinham filhos aos 24, 25. O desejo de ter filhos continua a existir, mas não há,
muitas vezes, condições económicas para os ter. Era preciso fazer política, por
exemplo, de apoio aos jovens casais, com rendas mais baratas, com creches
gratuitas, para que ter um filho se torne possível. Neste momento, com uma
gravidez vigiada, uma mulher pode ter um filho perto dos 40 anos, o que antes
não era possível. [Também por isso], as pessoas têm tendência para ter filhos
mais tarde. O que em termos do casal não é mau, mas depois se torna mais
problemático quando os filhos chegam à adolescência. As pessoas devem ter filhos
relativamente cedo.

O que é que não foi referido nesta entrevista sobre jovens e família que
considera importante mencionar?
Eu acho que o principal problema é que os adultos têm muitos preconceitos.
Talvez o preconceito mais importante seja pensar que as pessoas novas não querem
falar com as pessoas mais velhas e só querem falar entre si. Evidentemente que
as pessoas mais novas gostam muito de falar entre si e de terem amigos. É muito
importante. Da minha experiência de quarenta e cinco anos de vida profissional,
quando nós criamos um clima em que os jovens podem falar com as pessoas mais
velhas, os jovens gostam de falar.

Isto é muito importante para pais e para professores, porque os pais acham que
os filhos na adolescência não querem falar com eles e muitos professores acham
que os alunos não querem falar com os professores. O que se verifica é que falam
com uns professores e não falam com outros. Isto tem a ver com a forma como o
professor se relaciona e a forma como os pais também se relacionam com os
filhos, porque há muitos pais que têm um ótimo relacionamento com os filhos na
adolescência. Há turbulências, há discussões, há proibições, há castigos, há
ameaças de os filhos saírem de casa. Isso passa-se em todas as famílias, mas nas
famílias que funcionam bem, isso dura muito pouco tempo.

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