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Jornalismo


ENSINO REMOTO NÃO É EAD, E NEM HOMESCHOOLING


A MODALIDADE REMOTA DE ENSINO É EMERGENCIAL, PODE FAZER USO DE TECNOLOGIA E
OCORRE NO AMBIENTE DOMÉSTICO – MAS É IMPORTANTE NÃO CONFUNDIR OS CONCEITOS, QUE
TRATAM DE MODALIDADES DISTINTAS

PorNairim Bernardo

24/05/2021

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Reportagem atualizada em 20/05/2022

Crédito: Getty Images

Desde que começou a pandemia da covid-19, há mais de um ano, as aulas
presenciais foram interrompidas – em determinados casos, com algumas retomadas
nesse período – e o ensino remoto ou os contextos híbridos têm sido a principal
alternativa para as escolas continuarem funcionando e darem sequência aos
processos de ensino e aprendizagem dos estudantes.

Mas, como o ensino remoto é, em muitos casos, mediado pela tecnologia e
acontece, em geral, com os estudantes em suas casas, muitas vezes há uma certa
confusão em diferenciá-lo da Educação a distância (EAD), que se utiliza de
ferramentas tecnológicas, e do homeschooling (Educação domiciliar). Veja, a
seguir, o que define cada modalidade de ensino e as principais semelhanças e
diferenças entre elas. Entenda, também, por que o homeschooling gera perdas em
pontos essenciais que a escola tem a oferecer.

Ensino remoto
O ensino remoto, em que alunos e professores não estão no mesmo espaço físico e
desenvolvem atividades pedagógicas não presenciais, foi instituído em caráter
emergencial e excepcional, no contexto da pandemia, para que os estudantes
mantivessem o vínculo com a instituição de ensino e com as propostas
educacionais mesmo a distância.

Segundo o artigo 32, parágrafo 4º da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação
Nacional, o ensino a distância pode ser utilizado no Ensino Fundamental como uma
complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. Já o parágrafo 11
do artigo 36 também autoriza sua utilização para cumprimento das exigências
curriculares específicas do Ensino Médio.

No entanto, em abril de 2020, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº
934 (convertida para Lei 14.040/2020 em agosto), que estabelece normas
educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade
pública, permitindo que a Educação Básica tivesse atividades pedagógicas não
presenciais. Paralelamente, os Conselhos Estaduais de Educação e os Conselhos
Municipais também publicaram resoluções e pareceres sobre a reorganização do
calendário escolar e uso de atividades não presenciais.

Alessandra Gotti, fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule e
colunista de NOVA ESCOLA, lembra que o ensino remoto no contexto da covid-19 não
se dá somente mediado pela tecnologia. “Ele pode acontecer de outras maneiras,
como o envio de material impresso e por meio de aulas gravadas transmitidas via
televisão ou rádio. Há várias estratégias que devem ser adotadas para garantir a
equidade”.

Outra característica importante do ensino remoto é o seu caráter temporário,
durante uma situação de calamidade pública, por isso ele costuma ser acompanhado
do termo “emergencial”. Ele também pressupõe que o professor continue cumprindo
sua carga horária e, sempre que possível, ele deve interagir diretamente com os
alunos, solucionando suas dúvidas dentro do horário de aula. Segundo Renata
Capovilla, CEO da Íntegra Educacional e Treinamentos e líder do Grupo de
Educadores Google Campinas, na prática, a falta de formação adequada dos
educadores em tecnologia atrelada à educação, inclusive dos que já têm acesso a
recursos tecnológicos em suas escolas, acarretou em uma sobrecarga emocional e
de trabalho para esses profissionais. “Quem já tinha recursos precisou aprimorar
ainda mais o uso da tecnologia e quem não tinha teve que correr atrás do básico,
como acesso a computadores e à internet para si e para os alunos. O professor
precisou mudar a roda do carro com ele em movimento, em um dia aprender e no
outro já fazer”, diz. Ela conta que percebeu um aumento da procura dos
professores por formação específica, o que deve ser incentivado e organizado
pelas redes de ensino. 

Educação a distância
A Educação a distância possui uma regulamentação específica, mas que só serve
para os Ensinos Fundamental e Médio em situações emergenciais. Segundo o decreto
nº 9.057, que regulamenta o artigo 80 da LDB, cursos profissionais técnicos,
superiores, educação de jovens e adultos e educação especial podem ser
oferecidos nessa modalidade.

Ela é descrita pelo documento como “a modalidade educacional na qual a mediação
didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a
utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal
qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação
compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e
profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos”.

O uso da tecnologia para mediar o processo de ensino e aprendizagem e a
distância física que separa professores e alunos e, às vezes, também temporal –
na situação em que os estudantes assistem a uma aula gravada, por exemplo – são
algumas das semelhanças entre as duas modalidades.

Renata Capovilla explica que a Educação a distância se tornou bastante atrativa
para o ensino superior devido à sua flexibilidade e ao custo mais baixo. “O
professor consegue dar aula para um grupo muito grande de alunos, que precisa
demonstrar bastante autonomia para estudar e dar devolutivas”. Mas, na Educação
Básica, os estudantes têm outro perfil e necessidades. “Redes e educadores ainda
estão encontrando os caminhos para realizar o ensino remoto, de acordo com a
realidade da sua comunidade”, completa.

Homeschooling
Atualmente, devido à necessidade emergencial da aplicação do ensino remoto,
muitas  famílias, principalmente as de crianças mais novas, precisaram
estabelecer um contato mais próximo com a escola para conseguir auxiliar seus
filhos no acompanhamento das aulas e na realização das tarefas. Entretanto,
essas atividades pedagógicas não presenciais, coordenadas pela escola, não podem
ser confundidas com o ensino domiciliar ou doméstico, também conhecido pelo
termo inglês homeschooling .

No homeschooling, o processo de ensino e aprendizagem é realizado na casa do
aluno por seus pais ou responsáveis. Esse adulto é totalmente responsável pelas
aulas e pela Educação formal da criança ou do adolescente, sem contar com
orientações ou materiais enviados por uma escola, nem com o acompanhamento de um
educador. Isso apenas acontece se houver a contratação de um professor
particular, uma vez que a criança ou jovem não está matriculado em um
estabelecimento escolar.

A Educação domiciliar é permitida em mais de 60 países, como Austrália, Japão,
Estados Unidos, Canadá, Paraguai, Portugal, França e Reino Unido, mas é proibida
em outros, como Espanha, Alemanha e Suécia. No Brasil, ainda não há
regulamentação sobre isso. Por isso, pessoas que dizem ter estudado nessa
modalidade não recebem nenhuma certificação. De acordo com a Constituição
Federal e a LDB, a Educação é “dever do Estado e da família”.  A LDB coloca como
obrigação dos pais ou responsáveis “efetuar a matrícula das crianças na Educação
Básica a partir dos quatro anos de idade”, e o Código Penal criminaliza os
responsáveis que não matriculam seus filhos em escolas autorizadas pelo
Ministério da Educação (MEC). No entanto, como o ensino domiciliar não é tratado
explicitamente na legislação, é possível recorrer à Justiça para conseguir
autorização para educar em casa. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF)
entendeu que, para tornar o ensino domiciliar possível no país, é necessário uma
lei federal que regulamente a prática.

Desde o início dos anos 2000, diversos Projetos de Lei (PL) tratando desse
assunto foram apresentados. Um deles, o PL 3179/12, do deputado Lincoln Portela
(PL-MG), que conta com o apoio da atual gestão do MEC, foi aprovado pela Câmara
dos Deputados em maio de 2022 e segue para discussão no Senado. Ele propõe que
seja admitida a Educação Básica Domiciliar, realizada com a articulação,
supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios de
Educação. Outros projetos similares, entre eles um do deputado Eduardo Bolsonaro
(PSC-SP) foram incorporados a esse. A expectativa é que ele seja votado ainda em
2021 por ser uma das prioridades do governo Bolsonaro na área da Educação. Além
disso, está em tramitação o PL 3262/2019, proposto por Chris Tonietto (PSL/RJ),
Bia Kicis (PSL/DF) e Caroline de Toni (PSL/SC), que propõe uma alteração no
artigo 246 do Código Penal, a fim de prever que a educação domiciliar
(homeschooling) não configure crime de abandono intelectual – esse PL aguarda
deliberação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

Toda essa movimentação política acaba, inevitavelmente, gerando um debate
polêmico na sociedade como um todo. No entanto, os pesquisadores e especialistas
da área da Educação ouvidos por NOVA ESCOLA enfatizam o papel-chave que a escola
regular e o trabalho do professor exercem na formação dos alunos.

“A família tem uma dinâmica própria, específica de um grupo de indivíduos, que
podem, sim, ensinar valores, mas que não conseguem apresentar toda a
dinamicidade social”, destaca Meire Cavalcante, pesquisadora do Laboratório de
Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Além da falta de interação social e dos questionamentos sobre a capacidade de um
familiar ensinar os conteúdos de todos os componentes curriculares com
qualidade, outra preocupação é com a importância da escola em identificar
comportamentos de risco dentro dos ambientes familiares, como abuso sexual e
violência doméstica.

Meire também ressalta que a proposta de regulamentação do ensino domiciliar tira
o foco de outras questões urgentes que deveriam estar sendo discutidas para a
melhoria da Educação, principalmente se consideradas as dificuldades trazidas ou
evidenciadas pela pandemia. “Estamos vivendo um processo de retrocesso
generalizado em todas as áreas e a Educação especificamente está sofrendo uma
série de ataques. Várias pautas que sempre foram vistas como retrocessos estão
em voga agora, e o homeschooling é uma delas.”

De acordo com ela, algumas pessoas têm uma ideia equivocada de que educação é
sinônimo apenas de acúmulo de conhecimento. “Isso é ignorar a essência da
educação. A escola não é coletiva à toa. É preciso poder se ver no coletivo para
pensar sobre si e sobre o outro. Cidadania eu não exerço só da porta de casa
para dentro, cidadania tem a ver com cidade, com viver em sociedade”.

Daniel Cara, cientista político e professor da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (USP), complementa essa perspectiva trazida por Meire.
Segundo o especialista, além dos riscos à formação escolar e humana de crianças
e adolescentes, o interesse político em aprovar o projeto de lei que regulamenta
o ensino domiciliar representa um ataque sistemático e uma estratégia para
enfraquecer e promover o desmonte da educação pública.

“Essa proposta vai contra a ciência pedagógica, que ao longo de séculos de
estudos comprovaram que a soma de atores da comunidade escolar [estudantes,
educadores, funcionários, famílias] faz diferença no processo de aprendizado”,
aponta o educador, “e a agenda ultra reacionária e conservadora defendida pelo
governo Bolsonaro envolve o Escola Sem Partido, as escolas cívico-militares, e o
próprio homeschooling, que apresenta a falsa ideia da casa como espaço sagrado e
da escola como um espaço profano”. Essas ações, conforme indica Daniel,
estabelecem uma forte desconfiança contra o professor e a escola. “Saimos do
debate sobre a qualidade da educação para entrar nessa discussão sobre a
moralidade da escola e de seus atores. Isso acaba por facilitar processos
terríveis como privatizações e redução do financiamento à educação”, conclui.

Estudar em casa não é sempre igual
Entenda as principais características e diferenças entre as modalidades de
ensino

 Ensino remoto
- Medida extraordinária e temporária, restrita à pandemia
- Professores e alunos localizados em espaços distintos – por exemplo, em suas
próprias casas
- Pode ser mediado ou não pela tecnologia
- Inclui a adaptação do programa presencial à situação remota
- A escola acompanha e apoia o estudante
- Utilizado por todos os níveis de ensino, durante a pandemia, para viabilizar a
continuidade do processo pedagógico

Educação a distância
- Caráter permanente e não emergencial
- Professores e alunos situados em espaços distintos - em geral, com os
professores nas instituições de ensino onde gravam ou transmitem suas aulas, e
os alunos, em suas casas ou ambientes profissionais
- Faz uso de recursos tecnológicos, como o ambiente virtual de aprendizagem
- Conteúdos e metodologias desenvolvidos especialmente para a modalidade a
distância
- Pode haver aulas gravadas (assíncronas) e transmitidas ao vivo (síncronas)
- Estudante vinculado formalmente a uma instituição de ensino, mas espera-se uma
maior autonomia dele no processo de aprendizagem
- Mais comum no Ensino Superior (graduação e pós-graduação)

 Homeschooling
- No Brasil, ainda não é uma modalidade regulamentada
- Pais ou responsáveis estão à frente do processo de ensino; educação ocorre no
ambiente doméstico
- Pode haver ou não o uso de recursos tecnológicos
- Conteúdos e metodologias ficam a cargo das famílias
- Não há interação com outros alunos e nem vínculo com uma instituição escolar;
a princípio, enquanto não há regulamentação, os pais têm autonomia no processo
educativo
- Se regulamentada, seria adotada na Educação Básica

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