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Reforma Tributária


IMPOSTO SELETIVO NA EXTRAÇÃO DE BEM MINERAL

Previsão de incidência é de uma infelicidade sem fim


Eduardo Maneira, Luis Eduardo Maneira
02/07/2024|05:10
Crédito: José Cruz/Agência Brasil

A incidência do Imposto Seletivo na extração de bem mineral tem sido ponto de
grande controvérsia nos debates da reforma tributária. O dissenso é tamanho que
não há concordância sequer se o texto constitucional teria autorizado sua
cobrança na hipótese de venda para o exterior.

Isso porque o inciso I, do §6º do artigo 153, ao vedar a cobrança “nas
exportações”, delimitaria o conteúdo do inciso VII do mesmo artigo, que dispõe
que na hipótese de extração, o imposto poderá ser cobrado “independentemente da
sua destinação”. Essa interpretação seria mais coerente com o texto
constitucional como um todo, que consagra o princípio do destino para todos os
tributos, exceto, por óbvio, para o Imposto de Exportação.

A máxima de que “não se deve exportar tributos” permeia a constituição quando
essa dispõe sobre o CIDEs (art. 149, §2º, I), Contribuições sociais (art. 149,
§2º, I), IPI (art. 153, §3º, IV), ICMS (art. 155 §2º, X), ISS (art. 153, §3º,
II) e, agora, com o advento da Emenda Constitucional 132/23, também para CBS,
IBS (art. 156-A, §1º, III) e Imposto Seletivo (art. 153, §6º, I).

Tal leitura tampouco faria da expressão “independentemente da destinação” letra
morta. Isso porque o imposto, concebido como o Imposto do Pecado, se distancia
da sua vocação original ao prever a hipótese de incidência na extração, seja
qual for a utilização do bem mineral. O petróleo, por exemplo, é insumo de
medicamentos, produtos de limpeza etc. A expressão asseguraria a incidência em
qualquer situação, aproximando, nesse aspecto, o Imposto Seletivo de um carbon
tax.

Não parece ter sido essa a leitura do Congresso, uma vez que consta do Relatório
do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que inseriu o inciso VII ao §6º do art. 153
ao texto da Emenda Constitucional, a justificativa de que “para restringir
atividades poluentes e degradantes ao meio ambiente é que propomos a extensão da
incidência do imposto para atividades de extração, caso em que não interessará o
destino do produto extraído (mercado interno ou estrangeiro)".

Neste ponto, vale a máxima de que a interpretação jurídica não deve estar
orientada pela intenção subjetiva do legislador, mas sim pelo sentido objetivo
do texto. Tal como posto, nos parece que o melhor sentido da norma é pela
inconstitucionalidade da incidência na exportação.

Seguindo adiante, as razões expostas para a implementação do Imposto Seletivo
nessa situação tampouco convencem. Veja-se a continuação do Relatório do senador
Eduardo Braga:

> “Afinal, os danos ao território nacional são permanentes (socialização dos
> prejuízos), mas o resultado econômico fica concentrado nas poucas empresas que
> exploram a atividade (individualização dos lucros). Para operacionalizar a
> tributação sobre a extração, acrescentamos ao texto a possibilidade de
> estabelecimento de alíquotas ad rem (específicas), de modo a incidir sobre a
> quantidade do produto extraído, independentemente da receita das vendas.
> Entretanto, para alcançar o equilíbrio e a razoabilidade, estabelecemos, nesse
> caso, o teto de cobrança que será de 1% do valor de mercado do produto
> extraído".

A justificativa de que a extração de bem mineral é “permanente” mas o lucro
é individualizado soa como uma simplificação grosseira. Os empreendimentos de
extração de petróleo, minério de ferro e outros exploram bens naturais não
renováveis e, exatamente por isso, estão sujeitos ao pagamento de royalties ao
Estado, uma compensação financeira pela utilização dos recursos minerais em seus
territórios. As alíquotas são variáveis e levam em conta uma série de fatores,
como a produtividade do campo, o preço de referência no mercado internacional,
entre outros, podendo chegar a 40% se somada a participação especial.

Ou seja, o próprio constituinte criou uma figura para estabelecer essa
compensação financeira ao Estado. A forma de cálculo, regulamentada em lei
ordinária, é sofisticada, levando em conta uma série de complexidades, e
asseguram uma indenização adequada.

Para ilustrar o exposto, os royalties foram responsáveis, no ano passado, por
uma arrecadação de aproximadamente R$ 54 bilhões. Acrescendo-se o referido
montante ao de participação especial — de pouco mais de R$ 38 bilhões — chega-se
à imponente cifra de R$ 92 bilhões. Além disso, diante de uma grave crise fiscal
vivida no país, a exportação de commodities tem sido elemento fundamental para
uma balança comercial positiva e, consequentemente, manutenção do valor da moeda
nacional.

Assim, uma previsão genérica de incidência do Imposto Seletivo, sob uma alíquota
de 1%, sem qualquer metodologia no cálculo, não se justifica sob as razões
postas no relatório do Senado.

Chama a atenção também a contradição do Congresso Nacional que, recentemente,
adotou diversas medidas no sentido oposto, para desonerar os derivados de
petróleo em razão do efeito inflacionário. Rememora-se a edição da Lei
Complementar 194/2022, que reconheceu a essencialidade dos combustíveis e do gás
natural, limitando a incidência do ICMS sobre tais produtos, e a Emenda
Constitucional 123/2023, que reconheceu o estado de emergência decorrente “da
elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e
seus derivados e dos impactos sociais dela decorrentes”. Onerar a extração de
bens minerais, sem o cuidado adequado, parece ser uma medida afoita e em
descompasso com aprendizados recentes.

O teto de 1%, aparentemente, mitiga esse efeito. Contudo, vale lembrar que o
Imposto Seletivo é base de cálculo de outros tributos e tem um efeito cumulativo
sobre o preço do produto final.

Por fim, a incidência sobre a extração é contrária aos planos de fortalecimento
da própria indústria nacional. Veja-se a incongruência: a incidência do Imposto
Seletivo na importação se restringe, no PLP 68/24, aos bens minerais em seu
estado bruto. Ou seja, minério de ferro, petróleo e gás natural. Portanto, todos
os derivados desses bens não sofrerão a incidência quando importados, enquanto o
nacional que utilizá-los como matéria-prima terá que arcar com o custo do
Imposto Seletivo. Trata-se de medida inédita: o governo brasileiro subsidiando o
aço chinês!

A previsão da incidência do Imposto Seletivo na extração é de uma infelicidade
sem fim. Nem mesmo a equipe técnica do Ministério da Fazenda foi a favor de sua
inclusão. O Imposto Seletivo nasceu para desincentivar o consumo de bens que
fazem mal a saúde ou ao meio ambiente. A extração de bens minerais está no lado
oposto da cadeia econômica, distante do consumidor final. Qual a intenção? Taxar
o minério de ferro que será usado para construção de placa solar? Tributar o
petróleo que for matéria-prima de medicamento? Prejudicar a indústria nacional?

Talvez aqui valha uma reflexão ao Congresso Nacional: a Constituição autoriza os
entes federados a exercer sua competência tributária, mas não exige o seu
exercício. O Imposto sobre Grandes Fortunas, por exemplo, jamais foi
implementado. Se, citando o chief Justice John Marshall, O poder de tributar
envolve o poder de destruir, vale dizer que talvez a verdadeira força esteja em
saber quando não usar esse poder.


EDUARDO MANEIRA

Professor titular de Direito Tributário da Faculdade Nacional de Direito e
advogado


LUIS EDUARDO MANEIRA

Advogado

Tags
imposto seletivo
JOTA PRO Tributos
Mineração
Petróleo
Reforma Tributária
Senado

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