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UNIVERSO DE CARLOS CARTAXO Educação e Cultura Ir para conteúdo * Inicial * #66 (sem título) * Sobre ← Posts anteriores LIÇÕES DE CAROLINA MARIA DE JESUS Publicado em 19 de abril de 2022 por carloscartaxo Lições de Carolina Maria de Jesus Carlos Cartaxo Resistir é preciso! Já faz um bom tempo em que eu reluto escrever sobre a fome porque o bom mesmo é escrever sobre coisas boas e a fome não se encaixa nesse escopo do que é magnânimo. Mas, minha determinação por lutar por uma vida digna, justa e igualitária para todos, alimentou minha resistência e me deu coragem para escrever sobre o livro Quarto de despejo, livro de Carolina Maria de Jesus, cuja primeira edição data de 1960. A lógica nos diz ser um livro antigo sobre favela e pobreza; mas, como não existe antiguidade na arte, me dou o prazer de escrever sobre essa preta, favelada, que mesmo quando não tinha o que comer se denominava poetisa e escritora. Eu passei dias me perguntando como era que eu não conhecia o livro “Quarto de despejo” de Carolina Maria de Jesus e sua obra na totalidade. Mas, como o tempo é senhor do destino, chegou o momento de conhecê-la e partilhar com meus leitores as impressões dela como escritora, pobre, favelada, de conviver cotidianamente com a miséria. Quando conheci os “Miseráveis” de Vitor Hugo fiquei chocado e, em simultâneo, encantado com a humanidade daquela obra de arte; com Carolina de Jesus fui além, fiquei inebriado com tanto talento, conhecimento e sensibilidade. Essa enxurrada de sensações me fez publicar esse artigo para soltar ao vento toda impressão que trago da literatura dessa mulher guerreira e brilhante. Foto: IMS Paulista, Internet. A opção é evitar um tratado literário sobre a obra de Carolina Maria de Jesus, até porque já existem excelentes artigos sobre o tema; mas, fazer uma viagem afetiva e emotiva sobre as passagens que o livro impactou em mim. Em 1958, quando Carolina escrevia seu livro na metrópole paulista, minha mãe e meu pai saíram da Paraíba para irem ganhar a vida em são Paulo. Fui gerado lá e meus pais retornaram à Paraíba, em 1959, de onde vim nascer em Picuí. Só agora encontrei uma real relação entre a obra e vida de Carolina Maria de Jesus e minha pessoa. Aqui faço recortes da obra citada de Carolina Maria de Jesus. São passagens que além do significado literário e social, têm identidade com minha concepção ideológica. A intenção é provocar empatia e consequente interesse para a leitura dessa grande mulher. As citações mantêm a autenticidade da escrita do livro. Vejam alguns fragmentos do livro Quarto de Despejo: “…O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no proximo, e nas crianças” (JESUS, 2014, p. 32). O fato de ser mãe solteira pobre fez de Carolina de Jesus uma protetora da sua sofrida prole. Ela fez questão de registrar o apego maternal à seus dois filhos e a sua filha, e o impacto que a fome provocava nas crianças. A maternidade foi uma condição de vida que Carolina adotou como sendo de luta e sobrevivência. Mesmo enquadrada no contexto subalterno da divisão de classes, sua formação cultural a empoderou na luta por uma vida digna e uma sociedade justa e igualitária. “Os meus filhos estão sempre com fome. Quando eles passam muita fome eles não são exigentes no paladar” (JESUS, 2014, p. 32). “Como é horrivel ver um filho comer e perguntar: “Tem mais? Esta palavra “tem mais’’ fica oscilando dentro do cerebro de uma mãe que olha as panela e não tem mais” (JESUS, 2014, p. 41). “Os meninos tomaram café e foram a aula. Eles estão alegres porque hoje teve café. Só quem passa fome é que dá valor a comida” (JESUS, 2014, p. 60). “Mas é uma vergonha para uma nação. Uma pessoa matar-se porque passa fome. E a pior coisa para uma mãe é ouvir esta sinfonia: — Mamãe eu quero pão! Mamãe, eu estou com fome!” (JESUS, 2014, p. 70). “Quando o João chegou da escola dei-lhe almoço. Depois fomos na cidade. Fomos a pé porque não tinha dinheiro para pagar a condução. Levei uma sacola e ia catando os ferros que encontrava nas ruas. Passamos pela rua da Cantareira. A Vera olhava os queijos e engulia as salivas” (JESUS, 2014, p. 119). “Como é horrivel ouvir um pobre lamentando-se. A voz do pobre não tem poesia” (JESUS, 2014, p. 158). Foto: autor desconhecido. Internet A obra de Carolina de Jesus traz sua face solidária; demonstra que ela sempre foi crítica; mas, também expõe seu lado de reciprocidade para com as dificuldades da sua comunidade. Todas as suas ações foram críticas, demonstrando sua força como mulher pobre e preta consciente do seu papel social. “Preparei a refeição para os filhos e fui lavar roupas. Quem estava no rio era a Dorça e uma nortista que dizia que a nora estava em trabalho de parto. Há treis dias. E não conseguia hospital. Chamaram a Radio Patrulha para interná-la e ainda não havia dado solução. A velha dizia: — São Paulo não presta. Se fosse no Norte era só chamar uma mulher, e pronto. — Mas a senhora não está no Norte. Precisa providenciar hospital para a mulher” ((JESUS, 2014, p. 153). Falar de fome me entristece; escrever sobre o tema também. Mas me parece covardia dá as costas para uma realidade que assola milhões de pessoas no Brasil e pelo mundo afora. Então, encaro esse debate e volto a citar a narrativa de Carolina sobre o sofrimento de sua família sem ter o que comer. O domingo é o dia do desespero para ela porque não há o que recolher nas ruas; é um vazio da sua “produção semanal”. “9 DE AGOSTO. Deixei o leito furiosa. Com vontade de quebrar e destruir tudo. Porque eu tinha só feijão e sal. E amanhã é domingo” (JESUS, 2014, p. 120). O discurso da meritocracia de que pobre não estuda porque não quer e o argumento de que as pessoas pobres não querem trabalhar, além da afirmação de que pobre é preguiçoso, vem abaixo quando ouvimos de Carolina: “…Comecei queixar para a Dona Maria das Coelhas que o que eu ganho não dá para tratar os meus filhos. Eles não tem roupas nem o que calçar. E eu não paro um minuto. Cato tudo que se pode vender e a miséria continua firme ao meu lado. Ela disse-me que já está com nojo da vida. Ouvi seus lamentos em silêncio. E disse-lhe: — Nós já estamos predestinados a morrer de fome!” (JESUS, 2014, p. 161). O fato de ser uma leitora compulsiva a tornava uma mulher bem informada e crítica quanto à política e suas nuances de poder. Ela, por exemplo, não perdia a oportunidade de verberar os políticos e suas práticas demagógicas. “…Os políticos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando vê o seu povo oprimido” (JESUS, 2014, p. 42). “…Os bons eu enalteço, os maus eu critico. Devo reservar as palavras suaves para os operários, para os mendigos, que são escravos da miséria” (JESUS, 2014, p. 67). “…Fui na sapataria retirar os papéis. Um sapateiro perguntou-me se o meu livro é comunista. Respondi que é realista. Ele disse-me que não é aconselhável escrever a realidade” (JESUS, 2014, p. 120). Foto: El Pais. Internet. Viver em um contexto de miséria e pobreza significa conviver com mazelas de toda natureza; da violência a apropriação indébita; da depressão a vulnerabilidade das doenças; da promiscuidade a loucura; da penúria ao suicídio. “Fui catar papel. Estava indisposta. O povo da rua percebe quando eu estou triste. Ganhei 36,00. Voltei. Não conversei com ninguém. Estou sem ação com a vida. Começo achar a minha vida insipida e longa demais. Hoje o sol não saiu. O dia está triste igual a minha alma” (JESUS, 2014, p. 99). “…Tem dia que eu invejo a vida das aves. Eu ando tão nervosa que estou com medo de ficar louca” (JESUS, 2014, p. 130). A busca e o encontro da leitura fez de Carolina Maria de Jesus uma mulher a frente de seu tempo, uma artista sensível e culta. Ela escreveu vários gêneros literários e deixou uma obra brilhante para a eternidade. Viu e viveu a cultura circense, fez da poesia a expressão do seu sofrimento e da sua escrita cotidiana a narrativa do povo subalterno das favelas. Foi vítima do racismo e da injúria racial em toda sua trajetória de vida, componente registrado nos seus escritos com propriedade e essência literária. Procurou artistas, produtoras e editoras, mas, como a maioria que tenta publicar seus escritos, encontrou muitas portas fechadas porque fazer arte é difícil; mas, entrar no mercado de arte é uma tarefa quase infausta, além de complexa, para uma mulher preta, mãe solteira, pobre e favela. É quase impossível sair do sonho de se tornar uma escritora reconhecida pela crítica e pelo mercado editorial; mas, ela, como brasileira de fibra e luta, não desistiu nunca. “…Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respondia-me: —É pena você ser preta” (JESUS, 2014, p. 72). “…Em 1952 eu procurava ingressar na Vera Cruz e fui no Juizado falar com o Dr. Nascimento se havia possibilidade de internar os meus filhos. Ele disse-me que se os meus filhos fossem para o Abrigo que ia sair ladrões. Fiquei horrorisada ouvindo um Juiz dizer isto” (JESUS, 2014, p. 98-99). Algumas narrativas de Carolina me tocam profundamente, todavia essas com que finalizo esse artigo me emocionam sempre que as leio porque constroem uma narrativa autêntica e real da população sofrida brasileira. “15 DE JULHO. Hoje é o aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu não posso fazer uma festinha porque isto é o mesmo que querer agarrar o sol com as mãos. Hoje não vai ter almoço. Só jantar” (JESUS, 2014, p. 104). “Como é horrível levantar de manhã e não ter nada para comer. Pensei até em suicidar. Eu suicidando-me é por deficiência de alimentação no estomago. E por infelicidade eu amanheci com fome” (JESUS, 2014, p. 111-112). “28 DE JULHO …Deixei o João e levei só a Vera e o José Carlos. Eu estava tão triste! Com vontade de suicidar. Hoje em dia quem nasce e suporta a vida até a morte deve ser considerado herói (…)” (JESUS, 2014, p. 114). “Fiz café para o João e o José Carlos, que hoje completa 10 anos. E eu apenas posso dar-lhe os parabéns, porque hoje nem sei se vamos comer” (JESUS, 2014, p. 118-119). “Ontem comemos mal. E hoje pior … Já faz tanto tempo que estou no mundo que eu estou enjoando de viver. Também, com a fome que eu passo quem é que pode viver contente?” (JESUS, 2014, p. 135). “Eu estou triste porque não tenho nada para comer. Não sei como havemos de fazer. Se a gente trabalha passa fome, se não trabalha passa fome” (JESUS, 2014, p. 146). “Quando eu encontro algo no lixo que eu posso comer, eu como. Eu não tenho coragem de suicidar-me. E não posso morrer de fome” (JESUS, 2014, p. 183). Foto: Editora Malê. Internet. Referência JESUS, Carolina Maria. Quarto de Despejo – diário de uma favelada. São Paulo: Editora Ática, 2014. Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário O INDÍGENA BRASILEIRO E OS ESTUDOS ÉTNICO-RACIAIS Publicado em 21 de março de 2022 por carloscartaxo O indígena Brasileiro e os estudos étnico-raciais Carlos Cartaxo Que o Brasil é um país miscigenado quase todo mundo sabe; isso não é novidade, praticamente é consenso; basta olhar as pessoas em uma feira livre para nos certificamos dessa assertiva. Essa percepção não é surpresa para ninguém; todavia, a novidade está no fato de que a maioria do/as brasileiro/as conhece muito pouco ou quase nada sobre as etnias da nossa constituição. Por esse motivo, como já citado em outros artigos, nesse mesmo blog, sobre os povos que constituem o mosaico chamado Brasil, ratificamos a informação de que há a obrigatoriedade da disciplina Seminários Étnico-Raciais na educação brasileira, cujo intuito é reparar e abrir um debate sobre a lacuna cultural e histórica existente sobre tema nas instituições voltadas ao ensino e a aprendizagem. As minhas viagens culturais que realizei com olhar de pesquisador, principalmente as realizadas no Paraguai, anos depois no Peru e, por último, em 2019 ao Chile, foram determinantes para me ver como ser latino-americano, por conseguinte, trabalhar, hoje, com a disciplina Seminários Étnico-Raciais na Universidade Federal da Paraíba e, consequentemente, escrever sobre o tema com apreço e afinco. Essas experiências contribuíram para a compreensão da importância histórica das etnias que constituem a cultura brasileira e a do continente americano. A existência da tese de que não há neutralidade no ser humano se adéqua bem a questão étnica. Como eu comungo dessa asserção, o que escrevo não poderia diferir; destarte, parto do princípio de que compreender e respeitar as diferenças e os diferentes é o primeiro passo para construirmos uma sociedade igualitária e justa. Se focarmos em Paulo Freire e em Émile Durkheim compreenderemos que o argumento da neutralidade é um elemento para intrujar a defesa de que informar e defender os povos indígenas, no que diz respeito a seus direitos sociais, econômicos e culturais, é papel do processo educativo e dos sujeitos educadores. Muitas ações públicas e privadas que têm conduzido ao longo da história, políticas com o fim trágico de extermínio dos povos indígenas. São quinhentos anos de ações de aniquilamento e descrédito quanto aos genuínos direitos dos povos indígenas na terra do pau-brasil; por conseguinte, apoiar e difundir a resistência desses povos é dever de todos que compõem o mosaico miscigenado que forma o nosso país. É bom relembrar a história afirmativa de que Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil no início do século XVI, em 1500, e aqui já existia 1.500 povos, falando mais de 1000 línguas indígenas e, em torno de 5 milhões de nativos (BANIWA, 2006, p. 27). Os números falam por si só porque ratificam a existência de grupos étnicos que aqui formavam o mapa geopolítico de povos que coabitam no Brasil e em todas as Américas. Gersem dos Santos Luciano – Baniwa, no livro O indígena brasileiro: O que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje esclarece que os linguistas organizaram a estrutura das línguas indígenas do Brasil em três troncos: “Tupi, Macro-Jê e Aruak. Mas existem algumas línguas que não se enquadram em nenhum desses troncos linguísticos” (BANIWA, 2006,p.43). Portanto, a história precisa ratificar que quando os europeus chegaram, no que hoje é Brasil, já existiam povos nativos com organização política, econômica e cultural, o que nos conduz a conclusão de que o Brasil não foi descoberto, mas invadido. Índia Tabajara. Foto Carlos Cartaxo. No censo de 2000, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE divulgou existirem no Brasil: 220 povos indígenas, falando 180 línguas, com cerca de 734 mil indivíduos, ou seja, 0,4% da população brasileira. Então, no início da década de 1970 consta que no Brasil havia apenas 250 mil indígenas; passando em 2001 para 734 mil; conclui-se que houve um crescimento significativo; todavia, vale ressaltar que a FUNAI e FUNASA consideram apenas 300 mil índios; isso acontece porque essas entidades contabilizam apenas os indígenas residentes em aldeias, ou seja, negam a ancestralidade daqueles que residem em zonas urbanas. A tentativa de redução da população indígena no Brasil conduz os sujeitos educadores ao princípio freiriano de que a educação não pode ser neutra porque é o silêncio dos neutros que contribuem para o quadro crítico em que se encontram os povos indígenas brasileiros. Como resistência a essa discriminação e segregação entre indígenas aldeados e não aldeados, o movimento indigenista se organizou, reagiu e se consolidou. Por conseguinte, surgiu a primeira entidade de defesa dos direitos indígenas, a ANAÍ (Associação Nacional de Apoio ao Índio) que nasceu em porto Alegre em 1977. Segundo João Pachedo de Oliveira, e Carlos Augusto da Rocha Freire, “o projeto governamental de “emancipação [das terras] dos índios” contribuiu para acelerar o surgimento de associações em 1978” (OLIVEIRA e FREIRE, 2006, p. 198). Com apoio de ONGS indigenistas como o CIMI — Conselho Indigenista Missionário e o CEDI — Centro Ecumênico de Documentação e Informação, outras associações surgiram e fortaleceram a luta dos povos indígenas brasileiros. Quando ouvi um palestrante espírita, competente conhecedor da concepção espírita kardecista, proferir sobre a espiritualidade dos nativos, me surpreendi quando ele se referiu aos indígenas como selvagens. Essas expressões são equívocos que ratificam a necessidade de rever conceitos através da educação ético-raciais. “A sociedade não indígena usa expressões e frases sem refletir sobre seu significado, sem pensar no preconceito que estão propagando. Frases como: “porque você não volta pra oca?”, que os indígenas têm que ouvir quase diariamente”. Essa frase acima e outras significativas fazem parte do projeto Mosaico criado por Omara Soares e Tiago Kirixi Munduruku; segundo eles,“Mostrar essas expressões e frases que carregam 521 anos de preconceito, racismo e estereótipos foi o objetivo deste projeto, deste mosaico”. Diante desse quadro de extermínio em que os indígenas brasileiros foram vítimas, devemos estudar a identidade desses povos através de suas tradições culturais e das diferenças culturais; consequentemente, é imprescindível contextualizar nos conteúdos de dominação colonial; diferenças socioculturais; e preconceito indígena. Um olhar axiológico nos conduz aos fundamentos que teorizam o estudo acadêmico no tema étnico dos indígenas brasileiros. Segundo Ricardo Henriques, na apresentação do livro O indígena brasileiro: O que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje: O impulso pela democratização e afirmação dos direitos humanos na sociedade brasileira atinge fortemente muitas das nossas instituições estatais, atreladas a projetos de estado-nação comprometidos com a anulação das diferenças culturais de grupos subordinados. Neste contexto, as diferenças culturais dos povos indígenas, dos afro-descendentes e de outros povos portadores de identidades específicas foram sistematicamente negadas, compreendidas pelo crivo da inferioridade e, desse modo, fadadas à assimilação pela matriz dominante (BANIWA, p 10). Quando se fala de racismo é raro enquadrar os povos indígenas do Brasil como vítima dessa abordagem indevida. Há séculos os indígenas também têm sido tratados com racismo, conforme citado acima por um palestrante, o que acende um alerta sobre o preconceito que assola esses povos. No imaginário coletivo da sociedade brasileira, infelizmente, apenas a população preta é considerada vítima de racismo. Todavia, ressalto que os indígenas também sofrem com a discriminação racial, por conseguinte, padecem com o preconceito, fator que orienta os estudos, na área, no sentido de se rever, de forma crítica, esse tratamento indevido. Nesse sentido é necessário que os indígenas sejam incluídos nas pautas antirracista. Afinal, Respeitar os povos indígenas é respeitar a humanidade, nossa história, nosso passado, nosso presente e nosso futuro (ver RÁDIO YANDÊ: Racismo contra os indígenas: do passado para o presente). A vulnerabilidade que, por séculos, atinge os indígenas foi tratada com zelo e respeito na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Por conseguinte, conhecer os parâmetros legais da carta Magna é dever de todos, vejamos: No Título VIII — Da Ordem Social Capítulo VIII — Dos Índios, cita no “Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. No “§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. No “§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. No “§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da lavra, na forma da lei”. No “§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescindíveis. No “§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco”. No “§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé”. No “§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º e 4º. No “Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direi[1]tos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo”. ……………………. Ato das disposições constitucionais transitórias ……………………. No “Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. A ordem constitucional acima descrita foi assinada por Ulysses Guimarães, em Brasília, na data 05 de outubro de 1988. Não satisfeito com o designo constitucional, o atual governo federal e sua bancada parlamentar que o apoia tem trabalho no sentido de alterar a Constituição Federal aumentando a vulnerabilidade dos povos indígenas. Referências Livros BANIWA, Gersem dos Santos Luciano –. O indígena brasileiro: O que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. CONSTITUICÃO DA REPÚBLICA FDERATIVA DO BRASIL. Brasília, Congresso Nacional, 1988. OLIVEIRA, João Pachedo de, e FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. A presença dos indígenas na formação do Brasil. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. Páginas da internet http://obind.eco.br/2020/08/11/radio-yande-racismo-contra-os-indigenas-do-passado-para-o-presente/ Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário EDUCAÇÃO, ETNIA E RAÇA. Publicado em 7 de fevereiro de 2022 por carloscartaxo Educação, etnia e raça. Carlos Cartaxo Estamos prestes a iniciar, em vinte de fevereiro, mais um semestre letivo na UFPB; eu continuo a ministrar uma disciplina sobre esse tema. É fato que essa questão tem uma importância ímpar; para ratificar essa assertiva basta observar os índices de violência, os casos cotidianos de racismo expresso pela imprensa e redes sociais, assim como os procedimentos de resistência contra o racismo que se multiplicam pelo Brasil e pelo mundo. É difícil fingir que não ver uma sociedade onde a diferença entre ricos e pobres, negros e brancos, índios e não índios, ciganos e não ciganos, constituem um abismo que parece ser invisível por grande parte da sociedade, principalmente por parte da burguesia que há séculos se beneficia da exploração do ser humano, inclusive, indo de encontro aos preceitos cristãos de solidariedade e amor ao próximo. Festa do coco no Quilombo Caiana dos Crioulos. Foto: Carlos Cartaxo A gravidade da questão exige uma abordagem enfática por parte da academia, ou seja, a implementação de uma educação antirracista. Nesse sentido, inicio aqui a exposição de parte do conteúdo que constitui a disciplina Seminários étnico-raciais do Departamento de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba, ministrada por mim. Alguns índices são marcantes, por exemplo, dados do IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança Pública demonstram que as 65,6 mil pessoas assassinadas em 2017, 75,5%eram pretas (negras). Esse índice determina o que se denomina racismo estrutural o que configura como sendo uma população “mais matável” porque representa o alarmante paradigma de 179 mortes por dia. A professora Gina Vieira, da educação básica do Distrito Federal, é autora do reconhecido projeto “Mulheres Inspiradoras”, citada pelo correio brasiliense, é enfática ao afirmar que: A estratégia mais efetiva [para combater o racismo] é a educação. O Brasil é um país profundamente racista e que nunca teve uma ação efetiva de reparação. Por anos, houve um esforço sistemático para embranquecer a população. Acreditava-se que a razão do atraso era a presença de pessoas negras. Além disso, tentam apagar o nosso passado escravocrata. Sabe-se muito pouco do que foi a escravidão. Se as pessoas conhecessem a nossa história, dificilmente insistiriam nesse mito de democracia racial. E, para além da educação na escola, é preciso pensar na educação da sociedade como um todo. Se os agentes de polícia, por exemplo, conhecessem essa história, eles repensariam suas abordagens (VIEIRA, Correio Brasiliense, 05/01/2019). A autora segue afirmando, na referida entrevista, que: “As pessoas falam que os negros reclamam muito. Mas de cada 10, 20 situações racistas que eles vivem, denunciam uma“. Ela continua: O ganho mais importante dela é o pedagógico. Existe o mito da democracia racial, de que nós não somos um país racista, de que o racismo é velado. Para os negros, ele nunca foi velado, porque acontece diuturnamente. A lei mostrou que o Brasil é, sim, um país racista e precisa de ações efetivas para lidar com isso (VIEIRA, Correio Brasiliense, 05/01/2019). A legalidade da questão é a primeira abordagem que deve ser amplamente divulgada porque a população não tem conhecimento massivo das nossas leis. Quando se trata de Lei antirracista, divulgá-la é nosso dever; por exemplo, vejamos as leis que regem o tema em pauta: 1) A constituição Federal de 1988 no Art. 3, inciso XLI, diz: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”; e no Art. 5, inciso XLI, diz: “A Lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.” 2) O Código Civil, no seu Artigo 140, trata da injúria racial, que significa: injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena para essa infração: detenção, de um a seis meses, ou multa. O correio Brasiliense na excelente reportagem sobre o tema, em janeiro de 2019, também abordou a questão jurídica que merece ser citada porque define os crimes de racismo: “Havia o tempo em que os negros eram livres. Então surgiu a escravidão. Depois veio a liberdade. Mas aí brotou o preconceito. Surgiu, assim, um tempo em que discriminar as pessoas por causa da cor da pele era socialmente aceito e, aos olhos da Justiça, apenas uma contravenção penal. Para tentar pôr um fim a isso, há exatos 30 anos, surgiu a Lei de nº 7.716, que define os crimes de racismo” (Correio Brasiliense, 05/01/2019). A dita Lei 7.716 de 1989 que torna racismo crime cita: • Art. 1.º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (Redação dada pela Lei n.º 9.459, de 15/05/97). • Art. 3.º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos. Pena: reclusão de dois a cinco anos. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de 2010). • Art. 4.º Negar ou obstar emprego em empresa privada. Pena: reclusão de dois a cinco anos. • § 1.o Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor, ou práticas resultantes do preconceito de descendência, ou origem nacional ou étnica. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de 2010). • I – deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de 2010). • II – impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de 2010). • III – proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de 2010). • § 2.o Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de 2010). • Art. 5.º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador. Pena: reclusão de um a três anos. • Art. 6.º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau. Pena: reclusão de três a cinco anos. • Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço). • Art. 7.º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar. Pena: reclusão de três a cinco anos. • Art. 8.º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público. Pena: reclusão de um a três anos. • Art. 9.º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público. Pena: reclusão de um a três anos. • Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem, ou estabelecimento com as mesmas finalidades. Pena: reclusão de um a três anos. • Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos. Pena: reclusão de um a três anos. • Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido. Pena: reclusão de um a três anos. • Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas. Pena: reclusão de dois a quatro anos. • Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social. Pena: reclusão de dois a quatro anos. A fala do juiz Fábio Esteves, presidente da Associação dos Magistrados do DF (Amagis-DF), e um dos organizadores do Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros, também entrevistado pelo Correio Brasiliense, é emblemática porque afirma que “ainda é necessário avançar na função pedagógica para enfrentar o racismo nas suas mais diversas dimensões: o racismo ideológico, o racismo institucional, a forma como a sociedade é estruturada”. Sua argumentação é significativa e rica de simbologia porque é oriunda de uma autoridade judicial. Ele reitera, com conhecimento de causa, que: A lei serve como instrumento para que possamos refletir sobre isso. Mas é uma lei que tem só 30 anos. O Brasil viveu 350 anos de escravidão e ela só veio 100 anos depois da abolição. Ela não conseguiu impedir [o racismo]. Ainda tivemos diversos registros envolvendo discriminação (ESTEVES, Correio Brasiliense, 05/01/2019). O Estatuto da Igualdade Racial também é uma lei importante que deve ser estudada e difundida; foi sancionada em julho de 2010 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como objetivo de “garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos, e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”. Festa do coco no Quilombo Caiana dos Crioulos. Foto: Carlos Cartaxo A título de informação é importante registrar que A UnB foi a primeira universidade brasileira a adotar, em junho de 2003, cotas raciais. Anos depois, em agosto de 2012, a ex-presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei que estabeleceu as cotas raciais. Prática regular que já era adotada em algumas instituições de ensino com o fim de reservar uma quantidade de vagas em universidades federais para negros e indígenas, proporcional ao número de negros e indígenas na unidade da Federação em que a instituição está instalada. Desde a sua criação, porém, as cotas raciais vêm sendo criticadas por alguns grupos. Entre os críticos está o, agora, presidente da República, Jair Bolsonaro. Essas conquistas são fruto da resistência negra que vem de muito tempo atrás; é mais antiga do que se imagina, de fato, é secular. A resistência, denominada movimento negro, surgiu de forma clandestina, durante o período da escravidão no Brasil, como resistência a exploração, violência e injustiças praticadas pelos opressores e exploradores do trabalho humano. É importante resgatar a história e lembrar que: 1) O Movimento Liberal Abolicionista surgiu com o propósito de acabar com a escravidão e o comércio de escravos. Esse movimento contribuiu para a promulgação da Lei Áurea em 13 de Maio de 1888, ato encerrou o secular período escravagista. 2) Em 1883 na Província do Ceará, a Assembleia declarou a libertação dos escravos de Fortaleza; e em 25 de março de 1884 todos os escravos do Ceará foram libertos. Para finalizar, registro dois fatos importantes que merecem destaque porque são pouco conhecidos: 1) Em 20 de novembroé comemorado como o dia da Consciência Negra no Brasil, data da morte de Zumbi dos Palmares; 2) Em 1931 havia o Partido Político Frente Negra Brasileira. Portanto, a luta e as conquistas oriundas do movimento negro são históricas e seculares e merecem nossos aplausos. Referências > Home http://otrabalho.org.br https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/01/05/interna-brasil,729072/lei-que-torna-racismo-crime-completa-30-anos-mas-ha-muito-a-se-fazer.shtml Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário CULTURA E FORMAÇÃO IDEOLÓGICA Publicado em 15 de janeiro de 2022 por carloscartaxo Cultura e formação ideológica Carlos Cartaxo A infância é a fase em que somos apresentados à cultura através das descobertas que os sentidos possibilitam; das descobertas culturais chegamos à arte como forma de perceber, compreender e sentir o mundo que nos rodeia (CARTAXO, 2001). Quando tive as primeiras experiências com arte, foi como espectador de circo, de mamulengos e, posteriormente, com um curso de iniciação teatral em Picuí, Paraíba, ministrado pelo saudoso e talentoso ator paraibano Marcos Ramalho. Na primeira infância, ainda em Picuí, fui apresentado à cultura popular; tive a oportunidade de assistir à pastoril e argolinha. O primeiro folguedo, também é conhecido por lapinha, é um espetáculo popular cênica, composto por dança, música, teatro e ópera; aqui se entenda ópera como representação de canto popular. O segundo, chamada em outras regiões do Brasil de Cavalhada, é uma competição simbólica entre cavaleiros mouros e cristãos. Essas expressões populares foram determinantes na minha formação estética e cultural. Na adolescência, já em João Pessoa, tive a primeira experiência com o grupo de teatro MUEIC, onde iniciei como ator no espetáculo infantil “T de Terra e B de Brasil” de autoria de Antônio Gomes e direção de Marcos Pequeno; logo em seguida participei do espetáculo “O Muro” com texto e direção de Francisco Medeiros. A partir daí comecei a estudar teatro; ler sobre o assunto como um alimento cotidiano. Anos depois foi que associei o espetáculo O Muro a música The Wall do grupo musical Pink Floyd. O texto de Antônio Gomes me fez mergulhar no teatro infantil; o de Francisco Medeiros me introduziu na leitura crítica do mundo. Os dois espetáculos passaram pelo crivo da censura prévia, instituída pelo governo militar. Havia um ritual obrigatório: antes da estréia o espetáculo tinha que ser apresentado para o censor da Polícia Federal, onde de forma arbitrária, ele cortava cenas ou proibia o espetáculo no todo. Quando o espetáculo era liberado, o grupo sempre comemorava a façanha. Era década de setenta do século XX, o Brasil vivia uma ditadura militar desde 1964 com perseguições, censura e todos os ingredientes que o autoritarismo impõe à sociedade. O movimento artístico, assim como boa parte da sociedade, agia com resistência e contestação as arbitrariedades do regime golpista. Nesse período, já na universidade, me tornei um leitor voraz e tive a grata oportunidade de conhecer a obra do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, o que fortaleceu minha formação política. Entrei na UFPB — Universidade Federal da Paraíba, em 1978, no curso de Engenharia Mecânica. Como garoto pobre, tinha que fazer um curso garantisse uma ascensão social. Em seguida fiz o mestrado em Engenharia de Produção. Em paralelo continuei fazendo teatro, o que me conduziu a fazer o curso de Educação Artística, onde encontrei um caminho profissional mais prazeroso. A engenharia fortaleceu minha visão de futuro e o exercício do planejamento, o que contribuiu para minhas atividades de direção e produção teatral. Nesses anos de universidade li muito, estudei sete dias por semana, o que abriu minha visão de mundo e a formação crítica e analítica sobre a sociedade. Como o tempo não pára, anos depois, já no século XXI, reunimos a turma de aspirantes a engenheiros mecânicos de 1978 e, agora engenheiros bem sucedidos, foi criado um grupo no WhatsApp. A redemocratização do Brasil era fato histórico e o país avançou em vários aspectos, inclusive chegou, com o governo do PT, a ser a sexta economia do mundo. Em 2016 foi dado o golpe branco, parlamento, no governo do PT, afastando Dilma da presidência da República. Uma divisão ideológica transformou o grupo 781 do WhatsApp em um palanque dividido entre direita e esquerda. Debates fervorosos foram travados como o azul e encarnado da lapinha e os cristãos e mouros da cavalhada. Essa dicotomia ideológica só existe em sociedades democráticas que respeitam as diferenças e a pluralidade de ideias. Com esse raciocínio sobre democracia embasado nos conceitos de verdade e transparência, cito que em certo momento dos debates um colega engenheiro, oriundo da faculdade de Engenharia da UFPB, publicou no grupo citado no WhatsApp da nossa turma, a seguinte matéria: — Se vocês acham que o PT não roubou, que Cuba e Venezuela são democracias, que invadir e queimar patrimônio de terceiros é correto, que fazer das estatais apêndices de empregos para desocupados, que não se deve pagar compromissos, que as economias mundiais burlem as regras de mercado, que não foi necessário a reforma da previdência, que podemos difamar o país lá fora, que as privatizações não são necessárias, então vamos ficar brincando apenas de mostrar mulheres nuas para seis ou sete machos. A partir da minha formação cultural e ideológica, fui obrigado a responder com a seguinte argumentação: — Desculpe-me por ratificar o que considero ser equívocos: 1) O sistema eleitoral de Cuba é semelhante ao dos EUA, quem elege o presidente são delegados e não o voto direto; 2) Cuba nunca fez mal algum, nem ameaçou os EUA. Já os EUA determinaram um embargo econômico a Cuba que perdura por 60 anos; 3) Não há uma única criança morando na rua, sem escola ou sem comida em Cuba. Nos EUA, assim como no Brasil, há; 4) Quem invade e queima o patrimônio de terceiros e da nação, portanto dos brasileiros, são grileiros, capangas, fazendeiros e milicianos, protegidos por vocês da direita; 5) O ingresso de profissionais nas Estatais é através de concurso público, portanto, profissionais competentes; é tanto que essas empresas dão tanto lucro. Todavia alguns cargos comissionados, a que você se refere, foram criados pela ditadura militar e até hoje são ocupados pela direita e por milicos; 6) A reforma da Previdência foi apenas para “enforcar” os trabalhadores. Os empresários pequenos, médios e grandes, continuam sonegando impostos e devendo a Previdência: de grandes redes de comunicação à clubes de futebol; 7) A ironia sobre imagens de mulheres nuas não merece comentários porque é uma crítica que procede, por conseguinte cada um tire suas conclusões. Continuei a resposta afirmando que: — Atacar o PT de roubo é um ato leviano. Dizer que nos quadros do PT tem oportunistas é um fato porque as contradições fazem parte do ser humano e das organizações. Mas os resultados positivos dos governos do PT se sobrepõe em muito aos erros. Vocês empresários nunca ganharam tanto dinheiro e foram cobrados à responsabilidade como nos governos do PT; basta dizer que o Brasil chegou a ser a 6° economia do mundo; que a educação gratuita e de qualidade, a qual todos nós aqui fomos beneficiados, recebeu os maiores investimentos da história; que Lula tirou 30 milhões de brasileiros da categoria de miseráveis (fonte ONU). Enfim, o Brasil há de voltar ao cenário mundial como um país democrático em que NÃO há lugar para mentiras (fake news), rachadinhas, enriquecimentos ilícitos, orçamentos secretos e violência explica propagada por seus dirigentes. Esse diálogo citado, e aqui publicado, só é possível porque estamos sob a égide da democracia. Torná-lo público é importante e necessário porque devemos ter a responsabilidade de fortalecer a liberdade de expressão e o livre direito constitucional de ir e vir defendo as ideias em que acreditamos. Nesse sentido a formação cultura e a ideológica são vetores educativos essenciais para uma sociedade evoluída que se propõe a zelar pela vida em toda sua plenitude. Referências: Cartaxo, Carlos. O Ensino das Artes Cênicas na Escola Fundamental e Média. João Pessoa. Ed. do autor, 2001. SÉRIO, Mário. Sobre Brecht. Lisboa: Ulmeiro, 1976. WINZER, Klaus-Dieter. Berliner Ensemble 35 anos – Um trabalho teatral em defesa da paz. São Paulo: Hucitec, 1984. Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário A CONSCIÊNCIA, A ÉTICA E OS ETERNOS CONFLITOS Publicado em 13 de dezembro de 2021 por carloscartaxo A consciência, a ética e os eternos conflitos Carlos Cartaxo A ética tem sido uma escada que insisto em subir desde que tive minhas primeiras lições sobre ideologia. O fato de estudar teatro na minha adolescência e, consequentemente, ler os gregos, me permitiu adentrar no universo da ética. Concomitante a esse período, na universidade tive o início da minha formação política; todavia as leituras e os debates foram os pilares que deram sustentação a tal formação. Hoje vivo um dilema entre a ética e a consciência. Em vários momentos esses dois pilares me põem contra a parede ao ponto de me sentir traído pela aprendizagem e consequente formação política; ao mesmo tempo tenho traído as expectativas de pessoas queridas que se afastaram de mim por causa das minhas posições, para elas, não convenientes. Nesse texto posto abaixo algumas situações em que os fatos geraram conflitos entre minha consciência e os princípios éticos que trago comigo. Não foi e não é fácil conviver com esses dilemas que prefiro chamar de diferenças éticas. Caso 1 Um casal sentou na areia da praia em Carapibus. A mulher estendeu uma canga e o homem colocou um mantenedor de temperatura ao lado cheio de cerveja. Sentaram e, com a beleza de todo casal em momentos de deleite, passaram a conversar e a admirar o que se pode ver de belo diante do mar. Ele pegou duas de cerveja, passou uma para ela e brindaram aquela tarde de maré baixa e água serena. Em seguida, ela acendeu um cigarro. Tomaram mais cervejas e mais cigarros. E assim foi até que acabou o estoque de bebida e eles resolveram ir embora, já próximo do anoitecer. As latas vazias voltaram para o lugar em que vieram, já o resto dos cigarros fumados, ela enterrou. Eu pensei sair e ir à rua conversa com eles sobre o lixo deixado na areia da praia. A consciência exigia que eu fizesse uma abordagem educativa, mas o fato de não conhecê-los e o conceito ético de respeitar o próximo como ele o é, me fez recuar e evitar, talvez, um conflito. Como o tempo não perdoa, meses depois conheci o casal e eles quiseram conhecer minha casa, nessa oportunidade descobri que o marido era eleitor e defensor de Bolsonaro e a mulher era a que deixou a sujeira na praia. Então a dúvida me consumiu: contar para eles o corrido e a impressão que tenho sobre as atitudes deles ou silenciar e deixar minha consciência magoada com minha atitude covarde de se omitir diante dos fatos? Caso 2 Eu sou grato pelos trinta anos, que completarei em 2022, como profissional do Serviço Público Federal, mais especificamente, como servidor concursado da Universidade Federal do Pará e Federal da Paraíba. Os momentos bons justificam minha escolha, todavia não posso passar por cima dos momentos em que a ética entrou em conflito com minha consciência. O fato de ter sido do Conselho Universitário – CONSUNI, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão – CONSEPE e presidente do Conselho Curador me permitiu conhecer Leis, Resoluções, Regimentos e Estatutos. Essas experiências colocaram à minha frente situações que geraram discórdias entre a consciência e a ética. Muitos pareceres que escrevi com base na legalidade me fizeram perder amigos e até pessoas queridas. Infelizmente, no Brasil o “jeitinho” aplicado para amigos e correligionários tem sido uma prática que coloca o país no mapa da corrupção endêmica. Casos como: concursos dirigidos, alunos que não estudam e não frequentam as aulas, mas querem passar, cópias e plágios são exemplos corriqueiros que me colocaram em situações difíceis por defender a legalidade. Vou me aposentar como o chato; todavia aquele que procurou fazer e ensinar o que é correto. Foto: Carlos Cartaxo Caso 3 Eu sou daquelas pessoas que gostam de caminhar na praia, no meu bairro e de ir às compras a pé quando é possível. Nas caminhadas por Carapibus, praia no município do Conde, litoral sul da Paraíba, encontro muitas gaiolas penduradas no lado de fora das casas, varandas e janelas. Uma vez que eu passei, um senhor estava saindo e eu indaguei perguntando qual era o prazer dele em manter um ser vivo preso; um ser que tem asas e ele não permite que desfrute da liberdade de voar. A resposta foi: ― Esses passarinhos são minha vida. Se eu soltar, rasgo meu coração! Diante de uma fala dessa, eu emudeci. Claro não tinha como convencê-lo de que estava equivocado. Nem adiantava dizer que escrevi o texto teatral, infantil, “O tico-tico cantador”, publicado no livro Teatro de Atitudes, com o intuito de além de divertir, educar como o propósito de defender a liberdade de voar dos pássaros. O marcante nessa história é que os pássaros presos continuam lá, a polícia ambiental e a guarda municipal passam e fazem de conta que não vêem nada. Diante de tal fato só me resta escrever sobre a questão, que termina sendo uma forma de aliviar minha consciência, além de denunciar e questionar a ética da polícia. Caso 4 Diante desses imbróglios que geram conflitos entre a consciência e o comportamento ético, uma vez ou outra aparece um bálsamo que alivia nosso sofrimento nos dando a oportunidade de continuar a defesa da ética, apesar das perdas e danos. Esse é o caso recente, dezembro de 2021, de uma aluna que me enviou a seguinte mensagem: ― Professor, eu sei que o período letivo com a sua matéria já acabou, mas queria muito te agradecer por tudo que o senhor ensinou. Graças a tudo que eu aprendi, na sua aula, eu consegui outra nota máxima no artigo do professor Rodrigo. Obrigada de verdade. Terminar o ano de 2021, que não está sendo fácil, com a escrita de pequenas crônicas sobre o tema desse artigo, alivia minha consciência diante do volumoso mar de pouca ética que nos assola cotidianamente. É claro que não busco a verdade, nem abordo o tema ética apenas pela ótica da filosofia. Contudo, cito fatos que poderiam ser pitoresco, não obstante, são reais, logo susceptíveis a investigação e apuração, porque são do conhecimento de todos visto que são tratados de forma pública, seja na imprensa, na internet, nos cursos e departamentos ou nos Conselhos Universitários. Como o tempo não pára e 2022 está batendo na porta para adentrar, vamos adiante porque o horizonte é logo ali, mas está muito distante de alcançarmos. Referência Cartaxo, Carlos. Teatro Determinado. João Pessoa: Sal da Terra, 2005. Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário ESTRELAS POÉTICAS BRILHAM Publicado em 9 de novembro de 2021 por carloscartaxo Estrelas poéticas brilham Carlos Cartaxo Este artigo é a continuidade da postagem Estrelas poéticas, de agosto passado. Como a minha biblioteca é uma constelação de poetas, continuo publicando poemas dos livros não citados na postagem anterior. É a extensão do mergulho imaginário de poetas que alimentam a fome de leitora/es. Após deleites, estes têm, consequentemente, ânsia de encontrar nas palavras o prazer de ser e viver. Ao publicar o trabalho de poetas, me proponho a romper paradigmas quanto a ser leitor de poemas. Cruzo o horizonte imaginário para fazer uma viagem que passa por autora/es de vários mundos diferentes, com referenciais geográficos que descrevem uma cartografia universal. São autora/es que, direta ou indiretamente, têm uma ligação intelectual comigo, portanto fazem parte do meu acervo bibliográfico e sentimental. São histórias de vidas expressas através da arte; são criações que revigoram corações e mentes. Alguns dos livros citados aqui, sinceramente, eu não sei como vieram parar em minhas mãos, se foi aquisição, presente ou doação; outros sei que foi através do coração. Tê-los ou lê-los me propicia uma simbiose que não deixa de ser uma metamorfose. É um casamento entre sensibilidade e leitura. O certo é que enriquecem minha biblioteca, me fazem mergulhar no universo da poesia e podem ser acessíveis a quem, simbioticamente, imergir nessa associação de seres e coisas, gente e livros, emoção e prazer, conhecimento e sabedoria. Livro: Jardim da infância. Autor: Águia Mendes. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1979. HAIKAI O epiléptico É um Homem eléctrico. Livro: Poesias completas. Autor: Casimiro de Abreu. Rio de Janeiro: Ediouro, S/D. VIOLETA Sempre teu lábio severo Me chama de borboleta! — Se eu deixo a rosa do prado É só por ti — violeta! Tu és formosa e modesta, As outras são tão vaidosas! Embora vivas na sombra Amo-te mais do que às rosas. A borboleta travessa Vive de sol e de flores… — Eu quero o sol de teus olhos, O néctar dos teus amores! Cativo de teu perfume Não mais serei borboleta; — Deixa eu dormir no teu seio, Dá-me o teu mel — violeta! Livro: Ecos do céu da boa. Autor: Clariça Ribeiro. Cajazeiras: Arribação, 2021. OCUPAÇÃO Meu corpo É terra Para ser ocupada. Jamais invadida. Deixei aqui suas bandeiras E simbologias Conduza assembléias por minhas tessituras Distribua tarefas Aprenda minhas demandas internas E licenciosas estruturas. De usufruto consentido Faça dele moradia Faça dele plantação Tire dele seu sustento Mate com ele a sua fome Só não permita meu corpo-terra Ocioso, improdutivo e sem função social. No que depender de mim Estão abolidas Repressões Truculências Despejos E violências. Livro: Mosaico. Autor: Ed Porto. João Pessoa: Manufatura, 2009. RELAÇÃO DE APARÊNCIA Tenho medo de extremos: de emos de ogros de extras de faltas de gordos dietas ditaduras de esquerdas de monarcas de anárquicos de Roma de Krisna de E.T.A. de zona de yoga de droga de igreja degredo de mórmons de hereges de segredo de abertura de censura descaso decretos desertos de escadas descidas de insosso de sacarose de osso de sobras de fácil difícil detento disperso Dispenso tudo que pesa prum lado apenas Embora pareça o contrário. Livro: Reencontro: cultivando a essência da alma. Autor: Luiz Madrid. Deerfild Beach: VlmPress, 2019. O doce do beijo A água na boca Seu jeito, seu cheiro É luz, é calor, só desejo. Segue pelas matas do Serrano Pelos trilhos de pedra E os rios de diamantes Uma força presente da natureza. Caminhar, primeiro fica admirando Depois, o só falar de alegria, O riso nos olhos, o doce nos lábios Um afago, um pequeno sufoco, uma falta de ar. Dos morros dos cantos Das pedras das cachoeiras Do dia dos beijos roubados na gruta Vejo teu corpo inteiro pelo canto dos olhos. Do povo, das ruas e dos becos Seguem os baianos, nasce a Dona Edite. Das cores das casinhas e janelas, da luz amarela Da noite, da luz da lua escondida, tudo inebria. Dos brincos e pulseiras de couro Da palha, do vento, do teu pensamento Levo comigo teu corpo, e na voz de Caetano Menino do Rio. Os olhos se enchem de mágoa Oh! Deus Xangô, me lave com a sua milagrosa água Me benze, e só me deixa o bem O bem do meu querer. Fuja, mas não corra Siga o seu caminho Que as estrela te guiam Pelas estradas e vida afora Que as paisagens te falam De um pequeno e simples libido Reencontro de vida Da estória do Pai Inácio, de um amor proibido. Livro: cantando e contando histórias. Autor: Merlânio Maia. João Pessoa: Sal da Terra, S/D. OBSESSÃO DIFERENTE Quando Severo Macedo Se apavorava de medo Num estado terminal Dizia ele a tremer: — Aurora eu vou morrer Nessa cama de hospital — Nem pense! Dizia Aurora Esta não é a sua hora Tem muita vida a viver Se a morte negociar Eu irei no seu lugar Pois num vivo sem você Mas aí, dali a pouco Severo num grito rouco Passou desta pra melhor E a velha a se estrebuchar Dizia: — Não vou ficar Aqui nesse mundo só! E assim daí por diante Clamava a todo instante — “Vem Severo, meu amor Pois eu quero te seguir Vem, me carregar daqui Pois é grande a minha dor” O coitado do Macedo Parecia até brinquedo Na mão dessa obsessão Que nem de casa saía Tão triste a sofrer vivia Nessa subjugação Dona Aurora sem parar Implorando para ficar Ao lado do seu amor Certa noite quando o chama Vê severo ali na cama Doente e cheio de dor Dá um grito e sai correndo — É o diabo que estou vendo Te afasta, vai para trás Eu sei dos trejeitos teus Meu Severo está com Deus “Vá de retro” Satanás! Severo lhe diz: — Aurora Não me afastei, uma hora Você não me deixa em paz Aurora grita: — Sai fora Mafarro, pé-preto, espora Vai pro inferno, Satanás! Mas daquele dia em diante Ela mudou-se num instante Não fez mais evocação E o seu Severo adorado Só assim foi libertado Da sua louca obsessão! Livro: Plumagem do vento. Autor: Paulo Sérgio Vieira. João Pessoa: Editora da UFPB, 2019. III solo de mansinho. poema ensaiando canto de passarinho maduros caem os poemas. pisamos fonemas pé de poemas cai, não cai, um haicai preso a um fonema poema maduro e a inspiração se esvai. cai, cai haicai. sem borrões ou nódoas a vida passa a limpo. Novinha em folha Livro: Varadouro. Autor: Políbio Alves. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2003. Logradouro confins do mundo couraça humana, espanto profundo olhos assustados, solidão soa apito do trem pelos trilhos à toa. Das entranhas do interior para os roncos dos motores até as bandas de Cabedelo, a chegada do trem desdobra pesadelo. Vagão-vagão correndo correndo boca de fogo engolindo a terra, engolindo boca de fogo, caldeira fervendo fervendo Passageiros, cargueiros, cão sem dono no seu sono. Livro: Atos em arte. Autor: Regina Lyra. São Paulo: Scortecci Editora, 2006. Mais tarde Mais tarde, penso que vejo, Imagino beijos. Mãos fazem carícias, Bocas dão notícias… Na sede que me ponho, Sinto fome dos braços Entrelaçados Corpo desejado, amado… Acalma gosto da boca. Sacia, a sede, Corpos separados… Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário PRIMEIRAS IMPRESSÕES Publicado em 10 de setembro de 2021 por carloscartaxo Primeiras impressões Carlos Cartaxo Nesse momento volto a escrever sobre arte e ensino de arte, depois de alguns poucos anos sem tocar nesse assunto. A abertura da 34ᵃ Bienal de Arte de São Paulo, agora em 4 de setembro último, me fez pensar a tradicional, e talvez ultrapassada, pergunta: isso é arte? Essa 34ᵃ Bienal tem como tema a frase Faz escuro mas eu canto. São 91 artistas expondo, oriundos de 39 países. Uma marca importante dessa Bienalé a exposição da arte indígena. Falar da importância de uma Bienal de Arte é desnecessário; basta registrar que a Bienal citada nos presenteia com mais de mil pecas de arte expostas no Pavilhão da Bienal no Parque do Ibirapuera em São Paulo. Além da pluralidade criativa que expõe as possibilidades narrativas que a arte trás consigo, merece o registro de que a entrada na bienal de São Paulo é gratuita, o que fortalece a tese de que nem sempre arte é produto comercial, mas de deleite porque é uma expressão humana. Eu tive a oportunidade de vivenciar uma Bienal de Arte de São Paulo, da mesma forma a 52ᵃ Bienal de Arte de Veneza, em 2007. Essas e outras experiências com arte e leituras, muitas leituras, contribuíram para o meu entendimento, hoje, do papel da arte no contexto pós-moderno e, aceitar o conceito de que arte é aquilo que o leitor entender como sendo arte. Esta leitura faz todo sentido, afinal é época de bienal de arte de São Paulo; é época da arte ratificar e se estabelecer como a liberdade de expressão humana. Um evento do porte de uma Bienal de Arte é um encontro de ideias, percepções, técnica, pintura, colagem, performance, vídeo, instalações e happening, além de outras possibilidades de expressões que podem surgir. Uma Bienal de Arte é um acontecimento que rompe barreiras, conecta países e o mundo propiciando intercâmbio cultural, ensino e aprendizagem. Bienal de arte de Veneza. Foto: Carlos Cartaxo No livro Amor invisível: artes e possibilidades artísticas o personagem Rubens afirma que “arte tem um conceito aberto que depende da leitura do apreciador da obra” (CARTAXO, 2015, p. 441). Esta argumentação desconstrói a ideia de que quem determina o que é arte é um crítico, um professor, um diretor de arte, o administrador de uma galeria, etc. É evidente que o personagem Rubens, na citação acima, se pronuncia além do conceito moderno de mito ou gênio que é dado para um artista. Essa compreensão aberta para o conceito de arte aponta para uma re-significação desse conteúdo, o que corresponde a dizer que se precisa rever os valores estéticos que são ensinados. Esta acepção teórica ratifica a necessidade de se introduzir a cultura estética como um conteúdo nas aulas de arte porque essa aprendizagem é tão importante quanto apenas citar artistas impressionistas e expressionistas. No mesmo livro citado acima, o personagem Rubens afirma que: Para compreendermos nossa cultura, precisamos tratar as tendências estéticas como uma disciplina variável e dúctil que propiciará a descoberta de riquezas, por exemplo, de nossas tradições visuais que estão inseridas em um contexto cultural, que evidentemente, amplia o campo da historia da arte (CARTAXO, 2015, p. 449). Essa concepção ratifica que o conceito tradicional de estética precisa ser revisto através de uma leitura crítica sobre a dita alta cultura, o que vem sendo feito desde a Grécia antiga e que deve continuar. Pode ser redundante falar de alta cultura ou cultura clássica porque, para muitos, o conceito desta é intocável; todavia a tradicional bandeira da alta cultura deve ser olhada com uma leitura pós-moderna porque sua aceitação já não é consensual. Ao contraio, esse posto hierárquico elitista perdeu força e reconhecimento, tendo em vista que a estética está presente a todos os campos das atividades culturais. Isto significa dizer que estamos vivendo sob o efeito da multiculturalidade (CARTAXO, 2015, p. 449-450). Com base em Nestor Garcia Cancline busco no conceito de multiculturalidade a resposta para uma leitura pós-moderna que a definição de estética suporta na atualidade. A questão não passa por gostar ou não gostar; mas por compreender as transformações sociais, econômicas e culturais pelas quais a sociedade passa. Eu posso não gostar de um trabalho artístico, mas jamais afirmar que não é arte. A pluralidade do conhecimento e o respeito pelo trabalho e pela escolha de outrem, quanto à arte, são condições essenciais para que o debate seja estabelecido de forma construtiva. Eu tive a oportunidade de ler uma postagem de um professor de arte, em uma rede social, em que ele dizia que uma escultura de madeira, que sugeria uma árvore, não era arte. Até hoje não sei se a divergência era técnica, ideológica ou desconhecimento sobre história da arte, mais especificamente, a pós-modernidade. A primeira impressão que eu tenho é que, muitas vezes, só se tem informação sobre a arte acadêmica e a moderna, então, no caso citado, o conceito verdadeiro de arte adotado foi o da modernidade, que se resume em definir como obra de arte aquela que é original, única e autêntica. No caso da arte acadêmica, esta ficou em segundo plano porque sua criação era basicamente a reprodução da técnica. É fato que os Museus de Arte Moderna abriram e abrem as portas para redefinição da arte, como consequência se tem a arte contemporânea que surgiu para quebrar de vez com paradigmas como a do professor citado acima. Além do conhecimento teórico e da formação artística, tenho a segunda impressão de que o/a professor/a precisa trabalhar com uma metodologia adequada ao ensino de arte. A metodologia construcionista, por exemplo, é um procedimento que tenho adotado desde o meu curso de doutorado. A proposta ironista também é uma corrente metodológica adotada por alguns artistas, que pode ser adotada no ensino de arte. Esses procedimentos surgiram a partir do contexto pós-moderno onde o sujeito ativo do processo de aprendizagem é o elemento construtor do conhecimento; o professor ou instrutor é apenas o fio condutor da aprendizagem, nunca o proprietário do saber. Outra impressão, que trago comigo, é que apreciar, vivenciar, fruir e ensinar arte são procedimentos, necessários ao ser humano, que exigem conhecimento, leitura e experiência. Essa asserção ratifica a tese que defende a inserção do ensino de arte, concomitante as experiências artísticas desde a primeira infância porque a arte contribui para o equilíbrio emocional e a formação cultural da criança, tornando-a um adulto culto, crítico e sensível. O personagem Rubens, já citado, critica a pedagogia predominante na maioria das escolas e afirma que Não há mais quem aguente a estrutura surreal alicerçada em lacunas entre teoria e prática, prazer e saber, e motivação e aprendizagem. Ela passou a existir dentro de um abismo deformado, cujas faces e ângulos estão cada vez mais afastados da realidade. A escola se tornou uma úlcera da sociedade difícil de cicatrizar. E o construcionismo pode ser um caminho para eliminar essa úlcera (CARTAXO, 2015, p. 506). O construcionismo foi pensado, inicialmente por Seymour Papert, todavia se tornou uma metodologia relacionada a um produto, que, no caso das artes, pode ser uma imagem, um texto, um espetáculo cênico, uma instalação ou uma atividade acadêmica ou escolar, onde o conteúdo do trabalho esteja relacionado à realidade dos sujeitos envolvidos ou com o espaço, área ou local em que foi produzido, realizado e/ou utilizado. Cito essa abordagem na minha tese de doutorado e concluo que “é um processo em que há interação entre as pessoas e o conteúdo trabalhado” (CARTAXO, 2015, p. 507). É importante registrar que o construcionismo teve como âncora o pensamento crítico de Michel Foucault para enfrentar a força das relações de poder, e também se ancorou na pós-modernidade para confrontar os cânones do saber e do conhecimento. Pode parecer repetitivo, mas não me entrego à redundância e repetirei quantas vezes for necessária a afirmação de que a falta de leitura é a responsável por conceitos repletos de verdades. Quando essas verdades partem de um/a professor/a a situação se agrava porque se reproduz uma informação defasada, ou melhor, ultrapassada por puro desconhecimento. É necessário ratificar que toda verdade é relativa, portanto quando alguém estufa o peito para afirmar que sua verdade é absoluta, vale a precaução de que o dono da verdade pode ser o rei da fraude. Vivenciar e fruir arte são as primeiras impressões que nunca largam do consciente e do inconsciente do ser humano. Referências BURR, Vivien. Introducció al construccionisme social. Barcelona: Universitat Oberta de Catalunya: Proa, 1997. CANCLINE. Néstor García. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo, EDUSP, 1998. CAREY, John. ¿Para qué sirve el arte? Barcelona: Debate, 2007. CARTAXO, Carlos. Amor invisível: artes e possibilidades narrativas. João Pessoa, Editora do CCTA, 2015. COELHO, Teixeira. Moderno Pós-moderno. São Paulo: Iluminuras, 1995. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5ᵃ Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário ESTRELAS POÉTICAS Publicado em 20 de agosto de 2021 por carloscartaxo Estrelas poéticas Carlos Cartaxo Há muito tempo que se conhece a máxima: de poeta e louco, todo mundo tem um pouco. Pois, então, eu fui visitar a minha biblioteca e encontrei vários alfarrábios de poesia, traços de escritores que tenho proximidade e apreço; por conseguinte resolvi dividir com minha dúzia de leitores a profundidade do mergulho poético que costumo dar nas publicações de escritores que, pelo menos um pouco, também, como eu, são loucos. Loucos pelos efeitos conotativos da vida, pelas possibilidades reais e abstratas de se fazer etéreo no universo pensante em que reside as possibilidades de ser humano. O título Estrelas poéticas é um tanto comum, para não dizer redundante, já que o desenho poético da criação, por si só, é uma estrela brilhante. Todavia, optei por esse cabeçalho porque de fato, os trabalhos aqui comentados fazem parte do mar bibliotecário que repousa nas estantes do universo físico da minha coleção de escritores, poetas desvairados/as pelo além do olhar, do ver e enxergar; construtores/as do ser viver. Cada mergulho que dou ao folhear um livro de poesia, adentro na sensibilidade de poetas que, através dos seus escritos, dão sentido à vida porque viver não é uma escolha, mas uma missão, portanto compete a cada pessoa a liberdade de criar possibilidades que dão densidade as suas escolhas na vida; nesse sentido a poesia é para todo/as, mas poucos se permitem à oportunidade, e talvez, a ousadia de ser e viver fazendo usufruto do que a colheita do cotidiano lhe permite desfrutar. Em toda escolha há um risco, logo tenho consciência que às escolhas aqui postadas são de minha inteira responsabilidade. Por se tratar de arte, parto do princípio pós-moderno de que o/a leitor/a é cúmplice do reconhecimento da seleção do/as escritore/as aqui publicado/as, mas não precisa concordar, necessariamente, com a minha seleção dos poemas. Como toda verdade é relativa, abro as águas do mar poético aqui exposto para que o/as leitor/as possam mergulhar na criação do/as poetas que aqui estão adoçando ou salgando o desfrutar do seu trabalho criativo. Outra alternativa é voar por esse pequeno universo de estrelas das letras. Esclareço que o critério adotado, digo a curadoria, para a exposição dos poemas aqui publicadas parte do simples fato de que são escritos que repousam na minha biblioteca particular, por conseguinte, fazem parte dos meus mergulhos e vôos poéticos. A Aqui mantenho a forma tal qual o poema foi publicado. Aquele/as poetas que ainda não foram citados/as aqui, podem acrescer sua criação nos comentários como complemento ao mergulho que possamos realizar, coletivamente, como desfrute do mar poético. Livro: O sol de algibeira. Autor: Águia Mendes. João Pessoa: Ideia, 2010. Tuas luas como são lindas essas luas fora do teu corpete na noite que ruge nuvens brilham aterradoras lindos faróis estrelas auxiliadoras Livro: Sob o amor Autor: Antônio Mariano. São Paulo: Pautá, 2013 SOB O AMOR V Devoto, eu vos elejo, Ceres, bendita entre as fêmeas, razão da existência de minha fome. A senhora é pra comer rezando, banquete divino que se renova em moto-contínuo, pés, mãos, olhos, boca, peito, umbigo, greta sagrada, orifício, ajoelho-me e vos adoro. Livro: Acaso caos. Autor: Bruno Gaudêncio. João Pessoa: Ideia, 2013. Acaso caos o caos que existe em nos não faz a cama, mas abre as portas, as pernas… o acaso não liberta, mas deixa a chama, a chave, na porta… na pele ? acaso o caos não é o cobertor? ? a madeira que divide os nossos corpos na hora do sexo? Livro: Tempo. Autor: Emília Guerra. João Pessoa: Manufatura, 2008. O tempo De dar tempo Ao tempo O presente que Ele e ela Não quer Quando acaba O namoro Para o homem Ou para a mulher Livro: As palavras me escrevem. Autor: Hildeberto Barbosa Filho. Itabuna: Mondrongo, 2019. Adormeço na madrugada dos teus seios, vítima das vertigens do repouso. A noite adentra meu corpo como pétalas de luzes que não se apagam. Só sei cantar os astros do amor, quando o amor derrama suas águas luminosas no meu coração. Desdenhem de mim, poetas maiores, com suas elipses aristocráticas. Só sei cantar o que me encanta. A loucura da musa, sua beleza inenarrável. Dante, Petrarca, Camões fizeram assim. Sou humildemente um poeta menor, um lírico de si mesmo, quase feliz só por ter a minha amada para cantar. Verso nenhum vale a sagrada sílaba de quem ama. Livro: O circo, o bicho e a festa. Autor: José Leite Guerra. João Pessoa: Edição do autor, S/D. Salto solto nasceu palhaço teve vergonha deixou de ser vestiu-se homem partiu ao sério armou abraço: o próprio circo tanto mistério perdeu o nome e, também, homem deixou de ser Livro: Vislumbre. Autor: Marcos Barros. João Pessoa: Sal da Terra, 2005. Limiar No limiar absorvo as horas, os dias… Absorvo o homem, a vida… Como a areia absorve a água. Galopo pra não ser absorvido no sequenciar… Engulo para não ser engolido, consumo para não ser consumido. Ando para não ser passado, faço história para ser sujeito, sou sujeito para ter direito. Livro: Diálogo das horas. Autor: Paulo Sérgio Vieira. João Pessoa: Editora da UFPB, 2014. XXV A abelha sopra Mel no bambual É flauta doce Livro: Ilha perdida. Autora: Porcina Furtado. Cajazeiras: Editora Arribaçã, 2021. Brincadeira Não escrevo as minhas memórias Escrevo para os dias de sol Pra menina debruçada na janela Que sonha acordada na tarde que finda Escrevo para a insônia da noite E para os devoradores de versos Escrevo para os amantes e viajantes Escrevo porque posso escrever Brincar com todas as palavras Escrevo para a lua dançante E para os vagalumes brincantes Escrevo para não desperdiçar os dias Todos os poemas são inventados Porque você chegou tarde. Livro: Entre nós. Autor: Regina Lyra. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2008. Noites insones As noites Buscam o Cacique Sem fim. Neste momento preciso, A fala tem nome, Apenas o desejo forte explica. O Pajé anuncia: Na dança, No açoite do relâmpago Da tempestade, enfim. Sede do papo Fome sem fim. Livro: Entre Parénthesis. Autor: Romualdo Rodrigues Palhano. João Pessoa: Sal da Terra, 2010. À primeira vista Parece ser morte é vida Parece ser vida é morte Parece ser belo é disforme Parece ser rico é pobre Parece ser infame é glorioso Parece douto é ignorante Parece robusto é fraco Parece nobre é ignóbil Parece fraco é inteligente Parece alegre é triste Parece favorável é contrário Parece amigo é inimigo Parece salutar é nocivo. Livro: O avesso da pele. Autor: Waldir Pedrosa Amorim. João Pessoa: Manufatura, 2005. O avesso do tempo Pelo lado de dentro do tempo esqueci das paradas dos semáforos dos sinais de contramão. Era o avesso que me guiava no surdo palmilhar. Nem dos afavores, nem dos contrários eu entendia. Nem se os ventos atiçavam os meus pelos nem em que direção. Nada da epiderme eu pressentia, senão o avesso da epiderme. Bastava-me este, se é que importava o que bastasse, ou, o que ausência tivesse provocado. Era o avesso, o íntimo, o interior, o refratário às medidas. Era uma tipografia ruminada entre silêncios. Era o avesso do tempo: poesia. Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário INTERVENÇÃO E SUSTENTABILIDADE NA ORLA MARÍTIMA DA PARAÍBA Publicado em 23 de junho de 2021 por carloscartaxo Carlos Cartaxo A cidade de Parahyba*, oficialmente denominada João Pessoa, tem avançado a passos largos no sentido de se tornar uma metrópole, ou seja, uma cidade com um milhão de habitantes. Hoje a área metropolitana da capital já se aproxima desse número, o que exige muito empenho dos gestores públicos no sentido de adequá-la para continuar sendo uma cidade com urbanização planejada para se viver com qualidade de vida. Um dos desafios para os administradores é equacionar o conflito entre desenvolvimento e preservação do meio ambiente numa cidade centenária. A capital do Estado da Paraíba é banhada pelo oceano Atlântico; estado que tem um litoral pequeno com apenas 138 quilômetros de extensão entre a fronteira com o Rio Grande do Norte e com Pernambuco, no Nordeste brasileiro. Na área metropolitana da capital paraibana está um litoral atrativo para empreendimentos do segmento turístico, logo muitos empregos na área de serviços; setor que gera muita renda, por conseguinte, deleito de quem nele mora e para quem vem visitá-lo. Defender a natureza mantendo a singularidade e originalidade de um ambiente é um dever de toda/o cidadã/o civililzada/o. Introduzo esse artigo com essa tese porque desde a juventude sou defensor na natureza. Para justificar esse argumento lembro que em 2005 lancei o livro Teatro de Atitudes que trás na contracapa o texto ”O livro demonstra a necessidade de um fazer teatral esteticamente ligado as atitudes do cotidiano social. Tanto a forma como o conteúdo, devem estar construído de tal maneira que seu signos provoquem uma ação interior, estimulando assim uma leitura completa da obra de arte. Além dos capítulos teóricos há a publicação de dois textos teatrais: O Espigão Gaiato e O tico-tico cantador, que ratificam o significado do Teatro de Atitudes” (CARTAXO, 2005). Ambos os textos teatrais foram montados pelo Grupo de Teatro Suspensório Produções Artísticas e têm um foco na defesa do meio ambiente. No caso do Espigão Gaiato, a produção da montagem foi da APAN – Associação Paraibana de Amigos da natureza e Foi concebido para ser montado como teatro de rua. Entretanto, inúmeras vezes foi apresentado em auditórios e em espaços alternativos. O texto foi escrito por sugestão da APAN que desencadeou a luta contra a construção de edifícios com mais de três andares na orla marítima do estado da Paraíba e, mais especificamente, da cidade de João Pessoa (CARTAXO, p. 95, 2005). Em 2009 lancei o livro Teatro Determinado, obra composta de cinco textos teatrais de minha autoria: A carne é fraca e Terra Brasilis, no gênero teatro de revista; A mangueira, teatro de rua; A saga do Caranguejeiro, como dramaturgia e meio ambiente; e Diálogos do absurdo, como teatro do absurdo. Os textos desse livro foram escrito a partir de pesquisa e em parceria com colegas dramaturgos e discentes que trabalharam comigo. No caso em pauta nesse artigo, cito o texto A saga do Caranguejeiro, escrito em parceria com Guto Sarmento, Jefferson Souza, Ivaney Darlin, Márcia Lima e Vergara Filho, montado em Belém do Pará e produzido pelo Programa Internacional de Formação de Lideranças e Desenvolvimento Comunitário – Fellows IV da ONG – Organização Não Governamental Companheiros das Américas. Essa montagem fez parte de uma proposta maior de optar por trabalhar com teatro didático. É importante ressaltar que o teatro didático tem o compromisso estético tanto com a forma quanto com o conteúdo. Não obstante, o objetivo fim não é a apresentação em si, mas o processo de montagem. Esse método tem a característica de ser durante o processo de montagem que se dá a aprendizagem, o amadurecimento e a evolução da convivência em grupo, do respeito ao próximo, do exercício a leitura e ao pensar (CARTAXO, p. 156, 2005). Com A saga do Caranguejeiro trouxemos para o debate público um problema persistente que é a exploração irregular da caça de caranguejos no litoral brasileiro ferindo o equilíbrio do meio ambiente. O biólogo paraibano Vergara Filho foi o mentor e consultor técnico, que em conjunto com o médico e compositor paraense, em memória, Alcyr Guimarães criaram a trilha sonora exclusiva para o espetáculo. Em 2016 iniciei o projeto Pingos de Leituras na comunidade de Carapibus, Conde, município da Paraíba, com apoio dos Companheiros das América, que teve o objetivo contribuir para com a formação educacional e cultural de crianças e jovens de baixa renda na comunidade de Carapibus, Município do Conde, Paraíba, Brasil. Revistas e livros foram doados e nasceu o trabalho de educação ambiental na praia de Carapibus. Jovens universitários se uniram ao projeto para implantar a cultura de defesa do meio ambiente. Voluntários e crianças do Projeto Pingo de Letras. Foto: Carlos Cartaxo Os participantes eram estudantes voluntários, professores e técnicos da Universidade Federal da Paraíba, Clube do Conto da Paraíba e do Suspensório Produções Artísticas, organizações que têm vasta experiências em ações educativas e culturais. Jovens que visitaram e participaram o Projeto Pingo de Letras. Foto: Carlos Cartaxo Essas obras dramatúrgicas publicadas, fruto de montagens teatrais, e as ações citadas acima compõem a base teórica da minha tese sobre desenvolvimento e sustentabilidade no litoral paraibano nesse contexto de condição pós-moderna que estamos inseridos e, bem ou mal, vivendo. A condicionante aqui defendida, em nenhum momento parte do princípio que é verdadeira, até porque creio que toda verdade é relativa e sua aceitação depende do ponto de vista do leitor. O mundo e sua trajetória de sustentabilidade As minhas experiências circulando em volta do mundo servem de alicerce para a tese que defendo e que foi construída em concomitância com leituras, debates e estudos pelos continentes: americano, africano e europeu, portanto não se baseiam apenas no conceito insuficiente do “achismo”. Ações humanas na paisagem urbana têm sido procedimentos milenares que nos remete ao Egito e Roma antiga. Essas intervenções tem sido uma constante na linha do tempo da história da humanidade até hoje. Para esclarecer meu raciocínio faço alguns questionamentos que tornam difíceis a contestação com respostas negacionistas. Vejamos: O que seria do Egito sem a remoção de pedras para a construção das pirâmides e das esfinges? O que seria de Europa sem o deslocamento de pedras para a construção de aquedutos pelos romanos? O que seria do feudalismo sem o deslocamento de pedras para a construção dos castelos medievais? O que seria da centenária Veneza, Itália, que desde a idade média, administra o avanço do mar que constitui sua bucólica paisagem? No Brasil temos inúmeros casos a serem citados e, consequentemente, questionados, por exemplo: o que seria do Rio de Janeiro sem a intervenção na orla para construção do aterro do Flamengo e da Avenida Niemeyer, intervenção na mata atlântica para a construção do Cristo Redentor? O que seria de Cabedelo, no estado da Paraíba, se não fosse à construção de gabiões, quatro décadas atrás, que interromperam o avanço do mar, garantindo a existência da cidade que fica no nível do mar? O que seria da Praia de Manaira em Parahyba, capital da Paraíba, se não fossem os gabiões também construídos para cessar o avanço do mar? O que seria da Praia de Iracema, em Fortaleza, Ceará, sem a contenção do avanço do mar com pedras na construção de quebra-mar? O que seria do centro histórico de Recife sem o quebra-mar que garante segurança à existência daquele sítio histórico urbano? Saindo do Brasil, mas continuando nas Américas, cito Os Estados Unidos da América onde várias cidades tiveram intervenções urbanas para garantir a estabilidade do avanço das águas que compõem suas paisagens, por exemplo: o que seria da cidade de Nova Iorque sem a intervenção da orla do rio Hudson que banha a ilha de Manhattan? O que seria de Miami sem a contenção do mar com o aterro da praia de Miami Beach? O mesmo vale para a estabilidade da paisagem urbana nas cidades de Boston, Chicago, e as inundações das cidades do sul dos Estados Unidos da América banhadas pelo Golfo do México. Na África, além das intervenções já citadas no Egito, registro a intervenção em Angola com a construção do aterro da Baia de Luanda. Na Europa, além de Veneza, já citada, o que seria da Holanda sem a tecnologia de construção de 32 quilômetros de diques, que se tornaram rodovias, que cortam as águas evitando o avanço do furioso Mar do Norte e as inundações que submergiam parte do país? Os diques constituem uma gigantesca obra que formou o lago “Ijsselmeer” e garante a existência segura do país hoje. Na Ásia, o que seria do Tokyo, Japão, sem o sistema de prevenção contra enchentes? Eclusa do dique de Lelystad, Holanda. Foto: Carlos Cartaxo É certo que qualquer intervenção no meio-ambiente, necessária quando do avanço da urbanização nas cidades, merece análise crítica, e contestação acendendo o debate equilibrado no que concerne ao direito de preservar e de viver. Reconheço que se houvesse uma posição extremista, durante os séculos passados, contrária a intervenção do ser humano no meio ambiente, a história teria tomado outro rumo; caminho que fica difícil de imaginar qual seria quando nos referimos a um mundo com a geopolítica existente hoje e uma população de 7,87 bilhões de habitantes. Às vezes a tese do quanto pior melhor acende a luz de alerta que trago comigo. Sem querer ser dono da verdade, ao contrário, querendo entender as verdades quanto às intervenções humanas no meio ambiente e, principalmente, nas paisagens urbanas, me questiono sobre as verdades pregadas com afinco, por ambientalistas, cientistas e acadêmicos, como sendo o caminho único a ser seguido e mantido no que concerne à adaptação do ser humano ao meio em que vive. *A opção de reconhecer a denominação da capital paraibana como Parahyba se deve ao fato de que Parahyba é uma denominação cultural que perdurou por 360 anos até que um fato político, assassinato do presidente (denominação do governador) João Pessoa mudou o nome da cidade para João Pessoa, denominação que representou uma facção política hegemônica da sociedade burguesa paraibana da época. Referências CARTAXO, Carlos. Teatro de Atitudes. João Pessoa: Sal da terra, 2005. ________. Teatro Determinado. João Pessoa: Editora Sal da Terra, 2009. g1.globo.com/globo-reporter, 25/07/2014. Consulta em 16/06/2021 às 15:50. Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário O “ACHISMO” NO UNIVERSO DA COMUNICAÇÃO Publicado em 3 de junho de 2021 por carloscartaxo O “achismo” no universo da comunicação Carlos Cartaxo É natural a preocupação da família com relação à formação dos filhos e, consequentemente, seu futuro. A educação ética e moral deve ser a luz pedagógica que clareia essa formação, cujo objetivo é constituir e consolidar uma sociedade justa e democrática, que respeita os sujeitos sociais e suas diferenças. Em alguns casos essa abordagem educativa se dá de forma conservadora, em outros, literalmente, revolucionária. Embora esse conteúdo esteja inserido na grade curricular dos programas escolares, diretamente através da sociologia e da filosofia, ou indiretamente através de outras disciplinas, há quem considere esse conteúdo desnecessário ou indesejado, portanto desqualificado. Não obstante essa posição conservadora e indo no sentido contrário dela, eu compreendo que estudos com esse foco são de extrema importância para se alcançar a tão sonhada sociedade civilizada, logo, evoluída. Pesquisadores da comunicação têm se voltado para essa questão com afinco, no sentido de investigar até que ponto o que é veiculado nas mídias, em especial na televisão, contribui para o equilíbrio social e consolidação de uma sociedade democrática e plural. Em contrapartida, os meios de comunicação poderosos, me refiro aos grandes conglomerados corporativos, se valem do conceito de liberdade de imprensa para veicularem excessos e com eles, desvios de valores, nas informações que colocam no ar, como sendo verdades absolutas. A comunicação sempre foi considerada um quarto poder, o que lhe dá uma importância significativa, por conseguinte garante a defesa da liberdade de expressão, que por vez, se entende como emissão e propagação de informações precisas, éticas e corretas. Essa compreensão deveria ser regra e princípio no universo da comunicação; todavia as pesquisas comprovam que há uma tendência ao contrário. Muito do que é veiculado como informação tem o efeito contrário de desinformar. Nesse sentido, se diagnostica a adoção massiva de conteúdos sem fundamentação teórica, o que se configura como prática do “achismo”. A constatação parece óbvia, mas não é. A afirmação de que o “achismo” é uma doença contagiosa, grave, pode parece leviana, contudo essa assertiva tem crédito e precisa ser analisada com profundidade para ser ratificada como a praga da desinformação. Foto: Carlos Cartaxo Em recente trabalho como professor e pesquisador da Universidade Federal da Paraíba na área de arte e comunicação pude constatar que parte dos comunicadores, muitos deles jornalistas, se baseiam em informações sem consistência científica para formar opinião e, como consequência, disseminar inverdades ou meia-verdade. É o conhecido jornalismo sensacionalista. Nesse caso recorro ao Dicionário de Comunicação para definir esse tipo de jornalismo: Estilo jornalístico caracterizado por intencional exagero da importância de um acontecimento, na divulgação e exploração de uma matéria, de modo a emocionar ou escandalizar o público. Esse exagero pode estar expresso no tema (no conteúdo), na forma do texto e na apresentação visual (diagramação) da notícia. O apelo ao sensacionalismo pode conter objetivos políticos (mobilizar a opinião pública para determinar atitudes ou pontos de vista) ou comerciais (aumentar a tiragem do jornal). (…) 2. Qualquer manifestação literária, artística etc,. que explore sensações fortes, escândalos ou temas chocantes, para atrair a atenção do público (BARBOSA e RABAÇA, 2002). A questão de proferir argumentos que, segundo o emissor, são verdades ditas e escritas, no fundo se pauta na concepção do comunicador que “acha” que determinado assunto é verdade ou mentira. O Grupo de Pesquisa Comunicação, Artes e possibilidades narrativas, do Centro de Comunicação, Turismo e Artes da UFPB, pesquisou programas policias da televisão brasileira e pôde constatar que o “achismo” é a base da fundamentação teórica que dá sustentação as opiniões emitidas por certos comunicadores. Estes profissionais desconhecem o movimento hegeliano que se resume em: tese/antítese/síntese, ou seja, a base da informação veiculada, centrada no tripé: violência, sangue e morte, não apresenta conteúdo que dê sustentação qualitativa a mensagem emitida. A base da informação veiculada é, só e somente só, “achismo”, não tem uma tese que se contraponha a antítese social, que dê sustentação teórica para que dela se tenha como resultado uma síntese. Desses programas o que fica são frases de efeitos com provocações espetaculares, sensacionalistas, como: mais um bandido tirado de circulação; bandido bom é bandido morto; aqui não tem ninguém para defender bandido; se tiver de morrer que seja o bandido; a polícia abriu fogo e meteu chumbo. Essas mensagens são proferidas constantemente, repetidas como mantra, a cada três minutos. Essa abordagem sensacionalista que chega, ao leitor desavisado, como um petardo reluzente de verdades e soluções tem que ser abominada e contestada porque é uma fábrica que produz inverdades, por conseguinte, desinformações. A abordagem crítica em questão não deve ser focada no confronto entre bandido e polícia; mas, em narrativas que reflitam as contradições sociais do nosso cotidiano, como por exemplo: Porque existem bandidos? Que tipos de bandidos existem? O que leva um/a jovem ao mundo do crime? No combate, o bandido rico recebe o mesmo tratamento do bandido pobre? A diferença de classe é um fenômeno social e econômico gerador de bandidos? A mídia sensacionalista dá ao bandido da periferia o mesmo tratamento que dá ao bandido de paletó e gravata? Por que o tráfico de armas e drogas não é combatido, rigorosamente, pelas polícias? Por que setenta por cento dos presidiários são negros? Por trás dessas questões deveriam está abordagens à legítima defesa do Estado de Direito, do combate ao autoritarismo e ao abuso de poder. Eis a questão que precisa está viva e presente na democracia e nos meios de comunicação! Por trás da narrativa sensacionalista há a multiplicação exponencial do discurso de ódio; por exemplo, dissemina informações inverídicas sobre direitos humanos. A tese de que bandido bom é bandido morto é uma constante subliminar que programas policiais disseminam baseada no discurso de que a salvação social não é a redução da diferença de classe, mas a morte dos bandidos. Antes de tudo, é bom definir que essa é uma questão conceitual. Como alguém ocupa o assento de um estúdio de rádio, televisão ou de gravação de vídeo e se apropria de um microfone para emitir informação que não conhece? Falar de violência, de polícia e bandido exige conhecimento, estudos científicos sobre o tema; se assim não o for, o conteúdo proferido é puro “achismo”, portanto suspeito pela ótica do bom jornalismo, da ética e da verdadeira liberdade de expressão. Os comunicadores pesquisados demonstram que nunca leram sobre direitos humanos e se arrogam ao “achismo” denotativo que denigre o conceito de direitos humanos; se arvoram a falar de direitos sem conhecê-los. Nunca leram Nietzsche para entenderem as relações de macro e micro poder; para adquirirem a informação de que o conhecimento é uma característica nata, evolutiva, do ser humano. Consequentemente, sem encontrar neles conteúdo substancial sobre as informações por eles veiculadas, sou levado a questionar: Como um comunicador ousa falar de violência sem nunca ter lido o livro Brasil nunca mais, publicação da Arquidiocese de São Paulo ou o livro Direitos Humanos: Violência e diversidade, publicação do CCTA/UFPB? Essa é uma questão que resulta da constatação de que o desconhecimento gera a desinformação que induz a concepções inverídicas ou, no mínimo, suspeitas. Outra reflexão precisa ser abordada aqui, que é o fato de que por trás dessa questão ética e moral está a tão almejada audiência nos meios de comunicação, o que significa dinheiro e poder; em busca dessa dita cuja, se dá um desvio na ética e se usa o “achismo” como fonte de verdades, emitindo informações que ferem a liberdade de expressão porque, em muitos casos, contribuem pouco ou quase nada, com a informação ética. Um apêndice que fortalece essa prática é o investimento que empresas fazem nesse tipo de programação. Cabe a nós pesquisadores alertarmos a sociedade sobre essa prática nefasta que emite, em forma de impropério, informações que ratificam a disseminação do ódio e a falta de ética em nome da liberdade de expressão. Alguns veículos de comunicação e, mais especificamente, comunicadores, insistem em afirmar que João Pessoa é a cidade mais verde do Brasil. A partir de algumas informações duvidosas, décadas atrás, essa inverdade se expandiu pelas redes sociais. Recentemente a célebre paraibana, Juliette Freire, falou essa inverdade no Programa do Faustão da rede Globo sem se dá conta de onde tirou essa matéria. Infelizmente essa é outra informação baseada no “achismo” porque não tem base científica alguma. Não há estudos que comprovem esse argumento falacioso, há muito divulgado por alguns comunicadores no Estado da Paraíba. Por muito tempo foi divulgado que João Pessoa, que deveria se chamar Parahyba, era a segunda cidade mais verde do Brasil. Agora se espalha que é a primeira. O “achismo” se expande como fogo no palheiro, baseado em ilações que não têm base científica, porque não são oriundas de um conteúdo cuja fonte gera o que não é criado a partir do sentido concreto e real da informação. A ausência de informações com base científica nos programas sensacionalistas é tão acentuada que alguns comunicadores falam de fome sem entender uma vírgula do papel da assistência social. Confundem assistência social com assistencialismo. A fome é uma praga do mundo não civilizado e está diretamente ligada a diferenças sociais, a concentração renda e corrupção, mas o/as comunicadore/as senhore/as da verdade ousam falar de corrupção sem ter como base as políticas de combate a fome e a defesa da ética na política, ações fáceis de serem assimiladas porque são bem sucedidas no mundo contemporâneo. A lógica da tão combatida desinformação do “achismo” é: quanto mais gente imbecilizada, mais dificuldades terão os desinformados de decodificar as verdades e, consequentemente, as inverdades. É incoerente pensar que a emissão de meias-verdades significa formação, ao contrário, o desconhecimento do conteúdo das matérias veiculadas gera inverdades que repetidas inúmeras vezes, cotidianamente, adquirem senso de credibilidade, embora sejam inverídicas. Há inúmeros artigos científicos sobre o tema abordado aqui. Todavia cito o artigo “Jornalismo Policial: Influência no Pensamento de Crianças e Adolescentes” de Elisângela Marinho Bezerra e Roberia Nadia Araujo Nascimento da Universidade Estadual da Paraíba – Campina Grande, Paraíba, apresentado no Intercom pelo fato deste ser voltado para o universo pedagógico. A pesquisa realizada com crianças de 12 à 14 anos de turmas do 7º e 8º ano da Escola Maria de Socorro Aragão na cidade de Monteiro-PB. O instrumento metodológico utilizado foi a aplicação de um questionário para diagnosticar as informações e opiniões emitidas no programa policial Cidade Alerta, que tinha como âncora o jornalista Marcelo Rezende, na Rede Record. A hipótese do artigo é “que o jornalismo policial produzido no Brasil não é adequado para as crianças e adolescentes e se justifica por se constituir material capaz de provocar reflexões sobre a qualidade e questões éticas que abalizam esse tipo de conteúdo jornalístico” (BEZERRA e NASCIMENTO, 2015). Esse artigo ratifica a tese aqui defendida de que o jornalismo policial, dá forma como é gerido, fortalece a prática do “achismo” na comunicação . O jornalismo policial sensacionalista não é errado como muitos críticos afirmam, ele pode sim contribuir de alguma forma, talvez em uma parcela bem pequena para o desenvolvimento intelectual de nossa sociedade. O grave e crucial erro está no fato de não levar a sociedade a refletir sobre os assuntos que estão por trás das notícias transmitidas. Se ater apenas a dualidade Bem e Mal, é um equívoco gravíssimo, condenar pessoas por crimes cometidos, sem ao menos mostrar ao público quais os verdadeiros motivos que levaram aquele ser – humano a cometer tal ato, é contra a ética jornalística, que nos orienta a mostrar sempre os dois lados da história, e de todos os ângulos possíveis e imagináveis (BEZERRA e NASCIMENTO, 2015). As considerações parciais do trabalho do Grupo de Pesquisa Comunicação, Artes e possibilidades narrativas, que motivaram esse artigo, aqui publicado, demonstram que é preocupante o que vem sendo veiculado na televisão aberta brasileira, principalmente, nos programas sensacionalistas de cunho policial. A não fundamentação do conteúdo veiculado cotidianamente, pelos comunicadores dos programas policiais, pode causar um desserviço à sociedade e a democrática porque dissemina a cultural da meia-verdade por meio da argumentação falaciosa do “achismo”. Referências ARNS, Paulo Evaristo. Brasil nunca mais. Petrópolis: vozes, 1986. 12ᵃ Edição. BARBOSA, Gustavo; RABAÇA, Carlos Alberto. Dicionário de Comunicação. Editora Campus. 5 edição. 2002. BEZERRA, Elisângela Marinho; NASCIMENTO, Roberia Nadia Araujo. Jornalismo Policial: Influência no Pensamento de Crianças e Adolescentes. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Natal – RN – 02 a 04/07/2015. BRUM, José Thomas. Nietzsche: as artes do intelecto. Porto Alegre: L&PM, 1986. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. MELLO, Patrícia Campos. A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital. Companhia das Letras, RABAY, Glória; BATISTA, Gustavo B. de M; OLIVEIRA, Hilderline Câmara de; ARAÚJO Jaíne; FRANÇA, Marlene Helena de Oliveira; IRELAND, Timothy Denis (Orgs). Direitos Humanos: Violência e diversidade/E-book. João Pessoa: Editora do CCTA, 2020, Vol 2. 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