carloscartaxo.wordpress.com Open in urlscan Pro
192.0.78.12  Public Scan

Submitted URL: http://www.carloscartaxo.wordpress.com/
Effective URL: https://carloscartaxo.wordpress.com/
Submission: On May 10 via manual from IE — Scanned from DE

Form analysis 3 forms found in the DOM

GET https://carloscartaxo.wordpress.com/

<form role="search" method="get" id="searchform" class="searchform" action="https://carloscartaxo.wordpress.com/">
  <div>
    <label class="screen-reader-text" for="s">Pesquisar por:</label>
    <input type="text" value="" name="s" id="s">
    <input type="submit" id="searchsubmit" value="Pesquisar">
  </div>
</form>

POST https://subscribe.wordpress.com

<form method="post" action="https://subscribe.wordpress.com" accept-charset="utf-8" style="display: none;">
  <div>
    <input type="email" name="email" placeholder="Insira seu endereço de email" class="actnbr-email-field" aria-label="Insira seu endereço de email">
  </div>
  <input type="hidden" name="action" value="subscribe">
  <input type="hidden" name="blog_id" value="21476898">
  <input type="hidden" name="source" value="https://carloscartaxo.wordpress.com/">
  <input type="hidden" name="sub-type" value="actionbar-follow">
  <input type="hidden" id="_wpnonce" name="_wpnonce" value="f4feae1647">
  <div class="actnbr-button-wrap">
    <button type="submit" value="Cadastre-me"> Cadastre-me </button>
  </div>
</form>

<form id="jp-carousel-comment-form">
  <label for="jp-carousel-comment-form-comment-field" class="screen-reader-text">Escreva um Comentário</label>
  <textarea name="comment" class="jp-carousel-comment-form-field jp-carousel-comment-form-textarea" id="jp-carousel-comment-form-comment-field" placeholder="Escreva um Comentário"></textarea>
  <div id="jp-carousel-comment-form-submit-and-info-wrapper">
    <div id="jp-carousel-comment-form-commenting-as">
      <fieldset>
        <label for="jp-carousel-comment-form-email-field">E-mail (obrigatório)</label>
        <input type="text" name="email" class="jp-carousel-comment-form-field jp-carousel-comment-form-text-field" id="jp-carousel-comment-form-email-field">
      </fieldset>
      <fieldset>
        <label for="jp-carousel-comment-form-author-field">Nome (obrigatório)</label>
        <input type="text" name="author" class="jp-carousel-comment-form-field jp-carousel-comment-form-text-field" id="jp-carousel-comment-form-author-field">
      </fieldset>
      <fieldset>
        <label for="jp-carousel-comment-form-url-field">Site</label>
        <input type="text" name="url" class="jp-carousel-comment-form-field jp-carousel-comment-form-text-field" id="jp-carousel-comment-form-url-field">
      </fieldset>
    </div>
    <input type="submit" name="submit" class="jp-carousel-comment-form-button" id="jp-carousel-comment-form-button-submit" value="Publicar comentário">
  </div>
</form>

Text Content

UNIVERSO DE CARLOS CARTAXO

Educação e Cultura
Ir para conteúdo
 * Inicial
 * #66 (sem título)
 * Sobre

← Posts anteriores



 LIÇÕES DE CAROLINA MARIA DE JESUS

Publicado em 19 de abril de 2022 por carloscartaxo

       

 Lições de Carolina Maria de Jesus

Carlos Cartaxo

Resistir é preciso! Já faz um bom tempo em que eu reluto escrever sobre a fome
porque o bom mesmo é escrever sobre coisas boas e a fome não se encaixa nesse
escopo do que é magnânimo. Mas, minha determinação por lutar por uma vida digna,
justa e igualitária para todos, alimentou minha resistência e me deu coragem
para escrever sobre o livro Quarto de despejo, livro de Carolina Maria de Jesus,
cuja primeira edição data de 1960. A lógica nos diz ser um livro antigo sobre
favela e pobreza; mas, como não existe antiguidade na arte, me dou o prazer de
escrever sobre essa preta, favelada, que mesmo quando não tinha o que comer se
denominava poetisa e escritora.

Eu passei dias me perguntando como era que eu não conhecia o livro “Quarto de
despejo” de Carolina Maria de Jesus e sua obra na totalidade. Mas, como o tempo
é senhor do destino, chegou o momento de conhecê-la e partilhar com meus
leitores as impressões dela como escritora, pobre, favelada, de conviver
cotidianamente com a miséria. Quando conheci os “Miseráveis” de Vitor Hugo
fiquei chocado e, em simultâneo, encantado com a humanidade daquela obra de
arte; com Carolina de Jesus fui além, fiquei inebriado com tanto talento,
conhecimento e sensibilidade. Essa enxurrada de sensações me fez publicar esse
artigo para soltar ao vento toda impressão que trago da literatura dessa mulher
guerreira e brilhante.

Foto: IMS Paulista, Internet.

A opção é evitar um tratado literário sobre a obra de Carolina Maria de Jesus,
até porque já existem excelentes artigos sobre o tema; mas, fazer uma viagem
afetiva e emotiva sobre as passagens que o livro impactou em mim. Em 1958,
quando Carolina escrevia seu livro na metrópole paulista, minha mãe e meu pai
saíram da Paraíba para irem ganhar a vida em são Paulo. Fui gerado lá e meus
pais retornaram à Paraíba, em 1959, de onde vim nascer em Picuí. Só agora
encontrei uma real relação entre a obra e vida de Carolina Maria de Jesus e
minha pessoa.

Aqui faço recortes da obra citada de Carolina Maria de Jesus. São passagens que
além do significado literário e social, têm identidade com minha concepção
ideológica. A intenção é provocar empatia e consequente interesse para a leitura
dessa grande mulher. As citações mantêm a autenticidade da escrita do livro.
Vejam alguns fragmentos do livro Quarto de Despejo:

 “…O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome
também é professora. Quem passa fome aprende a pensar no proximo, e nas
crianças” (JESUS, 2014, p. 32).

O fato de ser mãe solteira pobre fez de Carolina de Jesus uma protetora da sua
sofrida prole. Ela fez questão de registrar o apego maternal à seus dois filhos
e a sua filha, e o impacto que a fome provocava nas crianças. A maternidade foi
uma condição de vida que Carolina adotou como sendo de luta e sobrevivência.
Mesmo enquadrada no contexto subalterno da divisão de classes, sua formação
cultural a empoderou na luta por uma vida digna e uma sociedade justa e
igualitária.

 “Os meus filhos estão sempre com fome. Quando eles passam muita fome eles não
são exigentes no paladar” (JESUS, 2014, p. 32).

“Como é horrivel ver um filho comer e perguntar: “Tem mais? Esta palavra “tem
mais’’ fica oscilando dentro do cerebro de uma mãe que olha as panela e não tem
mais” (JESUS, 2014, p. 41).

“Os meninos tomaram café e foram a aula. Eles estão alegres porque hoje teve
café. Só quem passa fome é que dá valor a comida” (JESUS, 2014, p. 60).

“Mas é uma vergonha para uma nação. Uma pessoa matar-se porque passa fome. E a
pior coisa para uma mãe é ouvir esta sinfonia: — Mamãe eu quero pão! Mamãe, eu
estou com fome!” (JESUS, 2014, p. 70).

“Quando o João chegou da escola dei-lhe almoço. Depois fomos na cidade. Fomos a
pé porque não tinha dinheiro para pagar a condução. Levei uma sacola e ia
catando os ferros que encontrava nas ruas. Passamos pela rua da Cantareira. A
Vera olhava os queijos e engulia as salivas” (JESUS, 2014, p. 119).



“Como é horrivel ouvir um pobre lamentando-se. A voz do pobre não tem poesia”
(JESUS, 2014, p. 158).

Foto: autor desconhecido. Internet

A obra de Carolina de Jesus traz sua face solidária; demonstra que ela sempre
foi crítica; mas, também expõe seu lado de reciprocidade para com as
dificuldades da sua comunidade. Todas as suas ações foram críticas, demonstrando
sua força como mulher pobre e preta consciente do seu papel social.

 “Preparei a refeição para os filhos e fui lavar roupas. Quem estava no rio era
a Dorça e uma nortista que dizia que a nora estava em trabalho de parto. Há
treis dias. E não conseguia hospital. Chamaram a Radio Patrulha para interná-la
e ainda não havia dado solução. A velha dizia: — São Paulo não presta. Se fosse
no Norte era só chamar uma mulher, e pronto. — Mas a senhora não está no Norte.
Precisa providenciar hospital para a mulher” ((JESUS, 2014, p. 153).

Falar de fome me entristece; escrever sobre o tema também. Mas me parece
covardia dá as costas para uma realidade que assola milhões de pessoas no Brasil
e pelo mundo afora. Então, encaro esse debate e volto a citar a narrativa de
Carolina sobre o sofrimento de sua família sem ter o que comer. O domingo é o
dia do desespero para ela porque não há o que recolher nas ruas; é um vazio da
sua “produção semanal”.

“9 DE AGOSTO. Deixei o leito furiosa. Com vontade de quebrar e destruir tudo.
Porque eu tinha só feijão e sal. E amanhã é domingo” (JESUS, 2014, p. 120).

O discurso da meritocracia de que pobre não estuda porque não quer e o argumento
de que as pessoas pobres não querem trabalhar, além da afirmação de que pobre é
preguiçoso, vem abaixo quando ouvimos de Carolina:

 “…Comecei queixar para a Dona Maria das Coelhas que o que eu ganho não dá para
tratar os meus filhos. Eles não tem roupas nem o que calçar. E eu não paro um
minuto. Cato tudo que se pode vender e a miséria continua firme ao meu lado. Ela
disse-me que já está com nojo da vida. Ouvi seus lamentos em silêncio. E
disse-lhe: — Nós já estamos predestinados a morrer de fome!” (JESUS, 2014, p.
161).

O fato de ser uma leitora compulsiva a tornava uma mulher bem informada e
crítica quanto à política e suas nuances de poder. Ela, por exemplo, não perdia
a oportunidade de verberar os políticos e suas práticas demagógicas.

“…Os políticos sabem que eu sou poetisa. E que o poeta enfrenta a morte quando
vê o seu povo oprimido” (JESUS, 2014, p. 42).

“…Os bons eu enalteço, os maus eu critico. Devo reservar as palavras suaves para
os operários, para os mendigos, que são escravos da miséria” (JESUS, 2014, p.
67).

“…Fui na sapataria retirar os papéis. Um sapateiro perguntou-me se o meu livro é
comunista. Respondi que é realista. Ele disse-me que não é aconselhável escrever
a realidade” (JESUS, 2014, p. 120).

Foto: El Pais. Internet.

Viver em um contexto de miséria e pobreza significa conviver com mazelas de toda
natureza; da violência a apropriação indébita; da depressão a vulnerabilidade
das doenças; da promiscuidade a loucura; da penúria ao suicídio.

“Fui catar papel. Estava indisposta. O povo da rua percebe quando eu estou
triste. Ganhei 36,00. Voltei. Não conversei com ninguém. Estou sem ação com a
vida. Começo achar a minha vida insipida e longa demais. Hoje o sol não saiu. O
dia está triste igual a minha alma” (JESUS, 2014, p. 99).

“…Tem dia que eu invejo a vida das aves. Eu ando tão nervosa que estou com medo
de ficar louca” (JESUS, 2014, p. 130).

A busca e o encontro da leitura fez de Carolina Maria de Jesus uma mulher a
frente de seu tempo, uma artista sensível e culta. Ela escreveu vários gêneros
literários e deixou uma obra brilhante para a eternidade. Viu e viveu a cultura
circense, fez da poesia a expressão do seu sofrimento e da sua escrita cotidiana
a narrativa do povo subalterno das favelas. Foi vítima do racismo e da injúria
racial em toda sua trajetória de vida, componente registrado nos seus escritos
com propriedade e essência literária. Procurou artistas, produtoras e editoras,
mas, como a maioria que tenta publicar seus escritos, encontrou muitas portas
fechadas porque fazer arte é difícil; mas, entrar no mercado de arte é uma
tarefa quase infausta, além de complexa, para uma mulher preta, mãe solteira,
pobre e favela. É quase impossível sair do sonho de se tornar uma escritora
reconhecida pela crítica e pelo mercado editorial; mas, ela, como brasileira de
fibra e luta, não desistiu nunca.



 “…Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respondia-me:
—É pena você ser preta” (JESUS, 2014, p. 72).

“…Em 1952 eu procurava ingressar na Vera Cruz e fui no Juizado falar com o Dr.
Nascimento se havia possibilidade de internar os meus filhos. Ele disse-me que
se os meus filhos fossem para o Abrigo que ia sair ladrões. Fiquei horrorisada
ouvindo um Juiz dizer isto” (JESUS, 2014, p. 98-99).

Algumas narrativas de Carolina me tocam profundamente, todavia essas com que
finalizo esse artigo me emocionam sempre que as leio porque constroem uma
narrativa autêntica e real da população sofrida brasileira.

“15 DE JULHO. Hoje é o aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu não posso
fazer uma festinha porque isto é o mesmo que querer agarrar o sol com as mãos.
Hoje não vai ter almoço. Só jantar” (JESUS, 2014, p. 104).

“Como é horrível levantar de manhã e não ter nada para comer. Pensei até em
suicidar. Eu suicidando-me é por deficiência de alimentação no estomago. E por
infelicidade eu amanheci com fome” (JESUS, 2014, p. 111-112).

“28 DE JULHO …Deixei o João e levei só a Vera e o José Carlos. Eu estava tão
triste! Com vontade de suicidar. Hoje em dia quem nasce e suporta a vida até a
morte deve ser considerado herói (…)” (JESUS, 2014, p. 114).

“Fiz café para o João e o José Carlos, que hoje completa 10 anos. E eu apenas
posso dar-lhe os parabéns, porque hoje nem sei se vamos comer” (JESUS, 2014, p.
118-119).

“Ontem comemos mal. E hoje pior … Já faz tanto tempo que estou no mundo que eu
estou enjoando de viver. Também, com a fome que eu passo quem é que pode viver
contente?” (JESUS, 2014, p. 135).

“Eu estou triste porque não tenho nada para comer. Não sei como havemos de
fazer. Se a gente trabalha passa fome, se não trabalha passa fome” (JESUS, 2014,
p. 146).

“Quando eu encontro algo no lixo que eu posso comer, eu como. Eu não tenho
coragem de suicidar-me. E não posso morrer de fome” (JESUS, 2014, p. 183).

Foto: Editora Malê. Internet.

Referência

JESUS, Carolina Maria. Quarto de Despejo – diário de uma favelada. São Paulo:
Editora Ática, 2014.


Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário


O INDÍGENA BRASILEIRO E OS ESTUDOS ÉTNICO-RACIAIS

Publicado em 21 de março de 2022 por carloscartaxo

O indígena Brasileiro e os estudos étnico-raciais

Carlos Cartaxo

Que o Brasil é um país miscigenado quase todo mundo sabe; isso não é novidade,
praticamente é consenso; basta olhar as pessoas em uma feira livre para nos
certificamos dessa assertiva. Essa percepção não é surpresa para ninguém;
todavia, a novidade está no fato de que a maioria do/as brasileiro/as conhece
muito pouco ou quase nada sobre as etnias da nossa constituição. Por esse
motivo, como já citado em outros artigos, nesse mesmo blog, sobre os povos que
constituem o mosaico chamado Brasil, ratificamos a informação de que há a
obrigatoriedade da disciplina Seminários Étnico-Raciais na educação brasileira,
cujo intuito é reparar e abrir um debate sobre a lacuna cultural e histórica
existente sobre tema nas instituições voltadas ao ensino e a aprendizagem.

As minhas viagens culturais que realizei com olhar de pesquisador,
principalmente as realizadas no Paraguai, anos depois no Peru e, por último, em
2019 ao Chile, foram determinantes para me ver como ser latino-americano, por
conseguinte, trabalhar, hoje, com a disciplina Seminários Étnico-Raciais na
Universidade Federal da Paraíba e, consequentemente, escrever sobre o tema com
apreço e afinco. Essas experiências contribuíram para a compreensão da
importância histórica das etnias que constituem a cultura brasileira e a do
continente americano.

A existência da tese de que não há neutralidade no ser humano se adéqua bem a
questão étnica. Como eu comungo dessa asserção, o que escrevo não poderia
diferir; destarte, parto do princípio de que compreender e respeitar as
diferenças e os diferentes é o primeiro passo para construirmos uma sociedade
igualitária e justa. Se focarmos em Paulo Freire e em Émile
Durkheim compreenderemos que o argumento da neutralidade é um elemento para
intrujar a defesa de que informar e defender os povos indígenas, no que diz
respeito a seus direitos sociais, econômicos e culturais, é papel do processo
educativo e dos sujeitos educadores. Muitas ações públicas e privadas que têm
conduzido ao longo da história, políticas com o fim trágico de extermínio dos
povos indígenas. São quinhentos anos de ações de aniquilamento e descrédito
quanto aos genuínos direitos dos povos indígenas na terra do pau-brasil; por
conseguinte, apoiar e difundir a resistência desses povos é dever de todos que
compõem o mosaico miscigenado que forma o nosso país.

É bom relembrar a história afirmativa de que Pedro Álvares Cabral chegou ao
Brasil no início do século XVI, em 1500, e aqui já existia 1.500 povos, falando
mais de 1000 línguas indígenas e, em torno de 5 milhões de nativos (BANIWA,
2006, p. 27). Os números falam por si só porque ratificam a existência de grupos
étnicos que aqui formavam o mapa geopolítico de povos que coabitam no Brasil e
em todas as Américas.  Gersem dos Santos Luciano – Baniwa, no livro O indígena
brasileiro: O que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de
hoje esclarece que os linguistas organizaram a estrutura das línguas indígenas
do Brasil em três troncos: “Tupi, Macro-Jê e Aruak. Mas existem algumas línguas
que não se enquadram em nenhum desses troncos linguísticos” (BANIWA, 2006,p.43).
Portanto, a história precisa ratificar que quando os europeus chegaram, no que
hoje é Brasil, já existiam povos nativos com organização política, econômica e
cultural, o que nos conduz a conclusão de que o Brasil não foi descoberto, mas
invadido.

Índia Tabajara. Foto Carlos Cartaxo.

No censo de 2000, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE
divulgou existirem no Brasil: 220 povos indígenas, falando 180 línguas, com
cerca de 734 mil indivíduos, ou seja, 0,4% da população brasileira. Então, no
início da década de 1970 consta que no Brasil havia apenas 250 mil indígenas;
passando em 2001 para 734 mil; conclui-se que houve um crescimento
significativo; todavia, vale ressaltar que a FUNAI e FUNASA consideram apenas
300 mil índios; isso acontece porque essas entidades contabilizam apenas os
indígenas residentes em aldeias, ou seja, negam a ancestralidade daqueles que
residem em zonas urbanas.

A tentativa de redução da população indígena no Brasil conduz os sujeitos
educadores ao princípio freiriano de que a educação não pode ser neutra porque é
o silêncio dos neutros que contribuem para o quadro crítico em que se encontram
os povos indígenas brasileiros. Como resistência a essa discriminação e
segregação entre indígenas aldeados e não aldeados, o movimento indigenista se
organizou, reagiu e se consolidou. Por conseguinte, surgiu a primeira entidade
de defesa dos direitos indígenas, a ANAÍ (Associação Nacional de Apoio ao Índio)
que nasceu em porto Alegre em 1977. Segundo João Pachedo de Oliveira, e Carlos
Augusto da Rocha Freire, “o projeto governamental de “emancipação [das terras]
dos índios” contribuiu para acelerar o surgimento de associações em 1978”
(OLIVEIRA e FREIRE, 2006, p. 198). Com apoio de ONGS indigenistas como o
CIMI — Conselho Indigenista Missionário e o CEDI — Centro Ecumênico de
Documentação e Informação, outras associações surgiram e fortaleceram a luta dos
povos indígenas brasileiros.



Quando ouvi um palestrante espírita, competente conhecedor da concepção espírita
kardecista, proferir sobre a espiritualidade dos nativos, me surpreendi quando
ele se referiu aos indígenas como selvagens. Essas expressões são equívocos que
ratificam a necessidade de rever conceitos através da educação ético-raciais. “A
sociedade não indígena usa expressões e frases sem refletir sobre seu
significado, sem pensar no preconceito que estão propagando. Frases como:
“porque você não volta pra oca?”, que os indígenas têm que ouvir quase
diariamente”. Essa frase acima e outras significativas fazem parte do projeto
Mosaico criado por Omara Soares e Tiago Kirixi Munduruku; segundo eles,“Mostrar
essas expressões e frases que carregam 521 anos de preconceito, racismo e
estereótipos foi o objetivo deste projeto, deste mosaico”.

Diante desse quadro de extermínio em que os indígenas brasileiros foram vítimas,
devemos estudar a identidade desses povos através de suas tradições culturais e
das diferenças culturais; consequentemente, é imprescindível contextualizar nos
conteúdos de dominação colonial; diferenças socioculturais; e preconceito
indígena. Um olhar axiológico nos conduz aos fundamentos que teorizam o estudo
acadêmico no tema étnico dos indígenas brasileiros. Segundo Ricardo Henriques,
na apresentação do livro O indígena brasileiro: O que você precisa saber sobre
os povos indígenas no Brasil de hoje:

O impulso pela democratização e afirmação dos direitos humanos na sociedade
brasileira atinge fortemente muitas das nossas instituições estatais, atreladas
a projetos de estado-nação comprometidos com a anulação das diferenças culturais
de grupos subordinados. Neste contexto, as diferenças culturais dos povos
indígenas, dos afro-descendentes e de outros povos portadores de identidades
específicas foram sistematicamente negadas, compreendidas pelo crivo da
inferioridade e, desse modo, fadadas à assimilação pela matriz dominante
(BANIWA, p 10).

Quando se fala de racismo é raro enquadrar os povos indígenas do Brasil como
vítima dessa abordagem indevida. Há séculos os indígenas também têm sido
tratados com racismo, conforme citado acima por um palestrante, o que acende um
alerta sobre o preconceito que assola esses povos. No imaginário coletivo da
sociedade brasileira, infelizmente, apenas a população preta é considerada
vítima de racismo. Todavia, ressalto que os indígenas também sofrem com a
discriminação racial, por conseguinte, padecem com o preconceito, fator que
orienta os estudos, na área, no sentido de se rever, de forma crítica, esse
tratamento indevido. Nesse sentido é necessário que os indígenas sejam incluídos
nas pautas antirracista. Afinal, Respeitar os povos indígenas é respeitar a
humanidade, nossa história, nosso passado, nosso presente e nosso futuro
(ver RÁDIO YANDÊ: Racismo contra os indígenas: do passado para o presente).

A vulnerabilidade que, por séculos, atinge os indígenas foi tratada com zelo e
respeito na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Por
conseguinte, conhecer os parâmetros legais da carta Magna é dever de todos,
vejamos:

 No Título VIII — Da Ordem Social Capítulo VIII — Dos Índios, cita no

“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,
línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens”.

No “§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas
em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições”.

No “§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua
posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos
rios e dos lagos nelas existentes”.

No “§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais
energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só
podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as
comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada a participação nos resultados da
lavra, na forma da lei”.

No “§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e
os direitos sobre elas, imprescindíveis.

No “§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad
referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em
risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do
Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que
cesse o risco”.



No “§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que
tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere
este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos
nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que
dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a
indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às
benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé”.

No “§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º e 4º.

No “Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas
para ingressar em juízo em defesa de seus direi[1]tos e interesses, intervindo o
Ministério Público em todos os atos do processo”.

…………………….

Ato das disposições constitucionais transitórias

…………………….

No “Art. 67. A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de
cinco anos a partir da promulgação da Constituição”.

A ordem constitucional acima descrita foi assinada por Ulysses
Guimarães, em Brasília, na data 05 de outubro de 1988. Não satisfeito com o
designo constitucional, o atual governo federal e sua bancada parlamentar que o
apoia tem trabalho no sentido de alterar a Constituição Federal aumentando a
vulnerabilidade dos povos indígenas.

Referências

Livros

BANIWA, Gersem dos Santos Luciano –. O indígena brasileiro: O que você precisa
saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade;
LACED/Museu Nacional, 2006.

CONSTITUICÃO DA REPÚBLICA FDERATIVA DO BRASIL. Brasília, Congresso Nacional,
1988.

OLIVEIRA, João Pachedo de, e FREIRE, Carlos Augusto da Rocha. A presença dos
indígenas na formação do Brasil. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006.

Páginas da internet

http://obind.eco.br/2020/08/11/radio-yande-racismo-contra-os-indigenas-do-passado-para-o-presente/


Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário


EDUCAÇÃO, ETNIA E RAÇA.

Publicado em 7 de fevereiro de 2022 por carloscartaxo

Educação, etnia e raça.

Carlos Cartaxo

               Estamos prestes a iniciar, em vinte de fevereiro, mais um
semestre letivo na UFPB; eu continuo a ministrar uma disciplina sobre esse tema.
É fato que essa questão tem uma importância ímpar; para ratificar essa assertiva
basta observar os índices de violência, os casos cotidianos de racismo expresso
pela imprensa e redes sociais, assim como os procedimentos de resistência contra
o racismo que se multiplicam pelo Brasil e pelo mundo. É difícil fingir que não
ver uma sociedade onde a diferença entre ricos e pobres, negros e brancos,
índios e não índios, ciganos e não ciganos, constituem um abismo que parece ser
invisível por grande parte da sociedade, principalmente por parte da burguesia
que há séculos se beneficia da exploração do ser humano, inclusive, indo de
encontro aos preceitos cristãos de solidariedade e amor ao próximo.

Festa do coco no Quilombo Caiana  dos Crioulos. Foto: Carlos Cartaxo

            A gravidade da questão exige uma abordagem enfática por parte da
academia, ou seja, a implementação de uma educação antirracista. Nesse sentido,
inicio aqui a exposição de parte do conteúdo que constitui a disciplina
Seminários étnico-raciais do Departamento de Comunicação da Universidade Federal
da Paraíba, ministrada por mim. Alguns índices são marcantes, por exemplo, dados
do IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança Pública demonstram que as 65,6
mil pessoas assassinadas em 2017, 75,5%eram pretas (negras). Esse índice
determina o que se denomina racismo estrutural o que configura como sendo uma
população “mais matável” porque representa o alarmante paradigma de 179 mortes
por dia.

A professora Gina Vieira, da educação básica do Distrito Federal, é autora do
reconhecido projeto “Mulheres Inspiradoras”, citada pelo correio brasiliense, é
enfática ao afirmar que:

A estratégia mais efetiva [para combater o racismo] é a educação. O Brasil é um
país profundamente racista e que nunca teve uma ação efetiva de reparação. Por
anos, houve um esforço sistemático para embranquecer a população. Acreditava-se
que a razão do atraso era a presença de pessoas negras. Além disso, tentam
apagar o nosso passado escravocrata. Sabe-se muito pouco do que foi a
escravidão. Se as pessoas conhecessem a nossa história, dificilmente insistiriam
nesse mito de democracia racial. E, para além da educação na escola, é preciso
pensar na educação da sociedade como um todo. Se os agentes de polícia, por
exemplo, conhecessem essa história, eles repensariam suas abordagens
(VIEIRA, Correio Brasiliense, 05/01/2019).

               A autora segue afirmando, na referida entrevista, que: “As
pessoas falam que os negros reclamam muito. Mas de cada 10, 20 situações
racistas que eles vivem, denunciam uma“. Ela continua:

O ganho mais importante dela é o pedagógico. Existe o mito da democracia racial,
de que nós não somos um país racista, de que o racismo é velado. Para os negros,
ele nunca foi velado, porque acontece diuturnamente. A lei mostrou que o Brasil
é, sim, um país racista e precisa de ações efetivas para lidar com isso
(VIEIRA, Correio Brasiliense, 05/01/2019).

               A legalidade da questão é a primeira abordagem que deve ser
amplamente divulgada porque a população não tem conhecimento massivo das nossas
leis. Quando se trata de Lei antirracista, divulgá-la é nosso dever; por
exemplo, vejamos as leis que regem o tema em pauta:

1)      A constituição Federal de 1988 no Art. 3, inciso XLI, diz: “Constituem
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de
todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação”; e no Art. 5, inciso XLI, diz: “A Lei punirá qualquer
discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.”

2)      O Código Civil, no seu Artigo 140, trata da injúria racial, que
significa: injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena para
essa infração: detenção, de um a seis meses, ou multa.

O correio Brasiliense na excelente reportagem sobre o tema, em janeiro de 2019,
também abordou a questão jurídica que merece ser citada porque define os crimes
de racismo:

“Havia o tempo em que os negros eram livres. Então surgiu a escravidão. Depois
veio a liberdade. Mas aí brotou o preconceito. Surgiu, assim, um tempo em que
discriminar as pessoas por causa da cor da pele era socialmente aceito e, aos
olhos da Justiça, apenas uma contravenção penal. Para tentar pôr um fim a isso,
há exatos 30 anos, surgiu a Lei de nº 7.716, que define os crimes de racismo”
(Correio Brasiliense, 05/01/2019).



A dita Lei 7.716 de 1989 que torna racismo crime cita:

•        Art. 1.º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional. (Redação dada pela Lei n.º 9.459, de 15/05/97).

•        Art. 3.º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado,
a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das
concessionárias de serviços públicos. Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção
funcional. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de 2010).

•        Art. 4.º Negar ou obstar emprego em empresa privada. Pena: reclusão de
dois a cinco anos.

•        § 1.o  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça
ou de cor, ou práticas resultantes do preconceito de descendência, ou origem
nacional ou étnica. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de 2010).

•        I – deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em
igualdade de condições com os demais trabalhadores. (Incluído pela Lei n.º
12.288, de 2010).

•        II – impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de
benefício profissional. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de 2010).

•        III – proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de
trabalho, especialmente quanto ao salário. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de
2010).

•        § 2.o  Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à
comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em
anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir
aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades
não justifiquem essas exigências. (Incluído pela Lei n.º 12.288, de 2010).

•        Art. 5.º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial,
negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador. Pena: reclusão de
um a três anos.

•        Art. 6.º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em
estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau. Pena: reclusão de
três a cinco anos.

•        Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos
a pena é agravada de 1/3 (um terço).

•        Art. 7.º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão,
estalagem, ou qualquer estabelecimento similar. Pena: reclusão de três a cinco
anos.

•        Art. 8.º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes,
bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público. Pena: reclusão de
um a três anos.

•        Art. 9.º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos
esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público. Pena:
reclusão de um a três anos.

•        Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de
cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem, ou estabelecimento com
as mesmas finalidades. Pena: reclusão de um a três anos.

•        Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou
residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos. Pena: reclusão de um a
três anos.

•        Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões,
navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte
concedido. Pena: reclusão de um a três anos.

•        Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer
ramo das Forças Armadas. Pena: reclusão de dois a quatro anos.

•        Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou
convivência familiar e social. Pena: reclusão de dois a quatro anos.



A fala do juiz Fábio Esteves, presidente da Associação dos Magistrados do DF
(Amagis-DF), e um dos organizadores do Encontro Nacional de Juízas e Juízes
Negros, também entrevistado pelo Correio Brasiliense, é emblemática porque
afirma que “ainda é necessário avançar na função pedagógica para enfrentar o
racismo nas suas mais diversas dimensões: o racismo ideológico, o racismo
institucional, a forma como a sociedade é estruturada”. Sua argumentação é
significativa e rica de simbologia porque é oriunda de uma autoridade
judicial.  Ele reitera, com conhecimento de causa, que:

A lei serve como instrumento para que possamos refletir sobre isso. Mas é uma
lei que tem só 30 anos. O Brasil viveu 350 anos de escravidão e ela só veio 100
anos depois da abolição. Ela não conseguiu impedir [o racismo]. Ainda tivemos
diversos registros envolvendo discriminação (ESTEVES, Correio
Brasiliense, 05/01/2019).

               O Estatuto da Igualdade Racial também é uma lei importante que
deve ser estudada e difundida; foi sancionada em julho de 2010 pelo
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como objetivo de “garantir à população
negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos
individuais, coletivos e difusos, e o combate à discriminação e às demais formas
de intolerância étnica”.

                                             Festa do coco no Quilombo Caiana 
dos Crioulos. Foto: Carlos Cartaxo

               A título de informação é importante registrar que A UnB foi a
primeira universidade brasileira a adotar, em junho de 2003, cotas raciais. Anos
depois, em agosto de 2012, a ex-presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei que
estabeleceu as cotas raciais. Prática regular que já era adotada em algumas
instituições de ensino com o fim de reservar uma quantidade de vagas em
universidades federais para negros e indígenas, proporcional ao número de negros
e indígenas na unidade da Federação em que a instituição está instalada. Desde a
sua criação, porém, as cotas raciais vêm sendo criticadas por alguns grupos.
Entre os críticos está o, agora, presidente da República, Jair Bolsonaro.

               Essas conquistas são fruto da resistência negra que vem de muito
tempo atrás; é mais antiga do que se imagina, de fato, é secular. A resistência,
denominada movimento negro, surgiu de forma clandestina, durante o período da
escravidão no Brasil, como resistência a exploração, violência e injustiças
praticadas pelos opressores e exploradores do trabalho humano. É importante
resgatar a história e lembrar que:

1)      O Movimento Liberal Abolicionista surgiu com o propósito de acabar com a
escravidão e o comércio de escravos. Esse movimento contribuiu para a
promulgação da Lei Áurea em 13 de Maio de 1888, ato encerrou o secular período
escravagista.

2)      Em 1883 na Província do Ceará, a Assembleia declarou a libertação dos
escravos de Fortaleza; e em 25 de março de 1884 todos os escravos do Ceará foram
libertos.

               Para finalizar, registro dois fatos importantes que merecem
destaque porque são pouco conhecidos: 1) Em 20 de novembroé comemorado como o
dia da Consciência Negra no Brasil, data da morte de Zumbi dos Palmares; 2) Em
1931 havia o Partido Político Frente Negra Brasileira. Portanto, a luta e as
conquistas oriundas do movimento negro são históricas e seculares e merecem
nossos aplausos.

Referências

> Home

 http://otrabalho.org.br

https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2019/01/05/interna-brasil,729072/lei-que-torna-racismo-crime-completa-30-anos-mas-ha-muito-a-se-fazer.shtml

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário


 CULTURA E FORMAÇÃO IDEOLÓGICA

Publicado em 15 de janeiro de 2022 por carloscartaxo

Cultura e formação ideológica

Carlos Cartaxo

A infância é a fase em que somos apresentados à cultura através das descobertas
que os sentidos possibilitam; das descobertas culturais chegamos à arte como
forma de perceber, compreender e sentir o mundo que nos rodeia (CARTAXO, 2001).
Quando tive as primeiras experiências com arte, foi como espectador de circo, de
mamulengos e, posteriormente, com um curso de iniciação teatral em Picuí,
Paraíba, ministrado pelo saudoso e talentoso ator paraibano Marcos Ramalho. Na
primeira infância, ainda em Picuí, fui apresentado à cultura popular; tive a
oportunidade de assistir à pastoril e argolinha. O primeiro folguedo, também é
conhecido por lapinha, é um espetáculo popular cênica, composto por dança,
música, teatro e ópera; aqui se entenda ópera como representação de canto
popular. O segundo, chamada em outras regiões do Brasil de Cavalhada, é uma
competição simbólica entre cavaleiros mouros e cristãos. Essas expressões
populares foram determinantes na minha formação estética e cultural.

Na adolescência, já em João Pessoa, tive a primeira experiência com o grupo de
teatro MUEIC, onde iniciei como ator no espetáculo infantil “T de Terra e B de
Brasil” de autoria de Antônio Gomes e direção de Marcos Pequeno; logo em seguida
participei do espetáculo “O Muro” com texto e direção de Francisco Medeiros. A
partir daí comecei a estudar teatro; ler sobre o assunto como um alimento
cotidiano. Anos depois foi que associei o espetáculo O Muro a música The Wall do
grupo musical Pink Floyd. O texto de Antônio Gomes me fez mergulhar no teatro
infantil; o de Francisco Medeiros me introduziu na leitura crítica do mundo. Os
dois espetáculos passaram pelo crivo da censura prévia, instituída pelo governo
militar. Havia um ritual obrigatório: antes da estréia o espetáculo tinha que
ser apresentado para o censor da Polícia Federal, onde de forma arbitrária, ele
cortava cenas ou proibia o espetáculo no todo. Quando o espetáculo era liberado,
o grupo sempre comemorava a façanha. Era década de setenta do século XX, o
Brasil vivia uma ditadura militar desde 1964 com perseguições, censura e todos
os ingredientes que o autoritarismo impõe à sociedade. O movimento artístico,
assim como boa parte da sociedade, agia com resistência e contestação as
arbitrariedades do regime golpista. Nesse período, já na universidade, me tornei
um leitor voraz e tive a grata oportunidade de conhecer a obra do dramaturgo
alemão Bertolt Brecht, o que fortaleceu minha formação política.

Entrei na UFPB — Universidade Federal da Paraíba, em 1978, no curso de
Engenharia Mecânica. Como garoto pobre, tinha que fazer um curso garantisse uma
ascensão social. Em seguida fiz o mestrado em Engenharia de Produção. Em
paralelo continuei fazendo teatro, o que me conduziu a fazer o curso de Educação
Artística, onde encontrei um caminho profissional mais prazeroso. A engenharia
fortaleceu minha visão de futuro e o exercício do planejamento, o que contribuiu
para minhas atividades de direção e produção teatral. Nesses anos de
universidade li muito, estudei sete dias por semana, o que abriu minha visão de
mundo e a formação crítica e analítica sobre a sociedade.

Como o tempo não pára, anos depois, já no século XXI, reunimos a turma de
aspirantes a engenheiros mecânicos de 1978 e, agora engenheiros bem sucedidos,
foi criado um grupo no WhatsApp. A redemocratização do Brasil era fato histórico
e o país avançou em vários aspectos, inclusive chegou, com o governo do PT, a
ser a sexta economia do mundo. Em 2016 foi dado o golpe branco, parlamento, no
governo do PT, afastando Dilma da presidência da República. Uma divisão
ideológica transformou o grupo 781 do WhatsApp em um palanque dividido entre
direita e esquerda. Debates fervorosos foram travados como o azul e encarnado da
lapinha e os cristãos e mouros da cavalhada.

Essa dicotomia ideológica só existe em sociedades democráticas que respeitam as
diferenças e a pluralidade de ideias. Com esse raciocínio sobre democracia
embasado nos conceitos de verdade e transparência, cito que em certo momento dos
debates um colega engenheiro, oriundo da faculdade de Engenharia da UFPB,
publicou no grupo citado no WhatsApp da nossa turma, a seguinte matéria:

— Se vocês acham que o PT não roubou, que Cuba e Venezuela são democracias, que
invadir e queimar patrimônio de terceiros é correto, que fazer das estatais
apêndices de empregos para desocupados, que não se deve pagar compromissos, que
as economias mundiais burlem as regras de mercado, que não foi necessário a
reforma da previdência, que podemos difamar o país lá fora, que as privatizações
não são necessárias, então vamos ficar brincando apenas de mostrar mulheres nuas
para seis ou sete machos.

A partir da minha formação cultural e ideológica, fui obrigado a responder com a
seguinte argumentação:



— Desculpe-me por ratificar o que considero ser equívocos:

1) O sistema eleitoral de Cuba é semelhante ao dos EUA, quem elege o presidente
são delegados e não o voto direto;

2) Cuba nunca fez mal algum, nem ameaçou os EUA. Já os EUA determinaram um
embargo econômico a Cuba que perdura por 60 anos;

3) Não há uma única criança morando na rua, sem escola ou sem comida em Cuba.
Nos EUA, assim como no Brasil, há;

4) Quem invade e queima o patrimônio de terceiros e da nação, portanto dos
brasileiros, são grileiros, capangas, fazendeiros e milicianos, protegidos por
vocês da direita;

5) O ingresso de profissionais nas Estatais é através de concurso público,
portanto, profissionais competentes; é tanto que essas empresas dão tanto lucro.
Todavia alguns cargos comissionados, a que você se refere, foram criados pela
ditadura militar e até hoje são ocupados pela direita e por milicos;

6) A reforma da Previdência foi apenas para “enforcar” os trabalhadores. Os
empresários pequenos, médios e grandes, continuam sonegando impostos e devendo a
Previdência: de grandes redes de comunicação à clubes de futebol;

7) A ironia sobre imagens de mulheres nuas não merece comentários porque é uma
crítica que procede, por conseguinte cada um tire suas conclusões.

Continuei a resposta afirmando que:

— Atacar o PT de roubo é um ato leviano. Dizer que nos quadros do PT tem
oportunistas é um fato porque as contradições fazem parte do ser humano e das
organizações. Mas os resultados positivos dos governos do PT se sobrepõe em
muito aos erros. Vocês empresários nunca ganharam tanto dinheiro e foram
cobrados à responsabilidade como nos governos do PT; basta dizer que o Brasil
chegou a ser a 6° economia do mundo; que a educação gratuita e de qualidade, a
qual todos nós aqui fomos beneficiados, recebeu os maiores investimentos da
história; que Lula tirou 30 milhões de brasileiros da categoria de miseráveis
(fonte ONU).

Enfim, o Brasil há de voltar ao cenário mundial como um país democrático em que
NÃO há lugar para mentiras (fake news), rachadinhas, enriquecimentos ilícitos,
orçamentos secretos e violência explica propagada por seus dirigentes. 

Esse diálogo citado, e aqui publicado, só é possível porque estamos sob a égide
da democracia. Torná-lo público é importante e necessário porque devemos ter a
responsabilidade de fortalecer a liberdade de expressão e o livre direito
constitucional de ir e vir defendo as ideias em que acreditamos. Nesse sentido a
formação cultura e a ideológica são vetores educativos essenciais para uma
sociedade evoluída que se propõe a zelar pela vida em toda sua plenitude.

Referências:

Cartaxo, Carlos. O Ensino das Artes Cênicas na Escola Fundamental e Média. João
Pessoa. Ed. do autor, 2001.

SÉRIO, Mário. Sobre Brecht. Lisboa: Ulmeiro, 1976.

WINZER, Klaus-Dieter. Berliner Ensemble 35 anos – Um trabalho teatral em defesa
da paz. São Paulo: Hucitec, 1984.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário


A CONSCIÊNCIA, A ÉTICA E OS ETERNOS CONFLITOS

Publicado em 13 de dezembro de 2021 por carloscartaxo

 A consciência, a ética e os eternos conflitos

Carlos Cartaxo

A ética tem sido uma escada que insisto em subir desde que tive minhas primeiras
lições sobre ideologia. O fato de estudar teatro na minha adolescência e,
consequentemente, ler os gregos, me permitiu adentrar no universo da ética.
Concomitante a esse período, na universidade tive o início da minha formação
política; todavia as leituras e os debates foram os pilares que deram
sustentação a tal formação. Hoje vivo um dilema entre a ética e a consciência.
Em vários momentos esses dois pilares me põem contra a parede ao ponto de me
sentir traído pela aprendizagem e consequente formação política; ao mesmo tempo
tenho traído as expectativas de pessoas queridas que se afastaram de mim por
causa das minhas posições, para elas, não convenientes.

Nesse texto posto abaixo algumas situações em que os fatos geraram conflitos
entre minha consciência e os princípios éticos que trago comigo. Não foi e não é
fácil conviver com esses dilemas que prefiro chamar de diferenças éticas.

Caso 1

Um casal sentou na areia da praia em Carapibus. A mulher estendeu uma canga e o
homem colocou um mantenedor de temperatura ao lado cheio de cerveja. Sentaram e,
com a beleza de todo casal em momentos de deleite, passaram a conversar e a
admirar o que se pode ver de belo diante do mar. Ele pegou duas de cerveja,
passou uma para ela e brindaram aquela tarde de maré baixa e água serena. Em
seguida, ela acendeu um cigarro. Tomaram mais cervejas e mais cigarros. E assim
foi até que acabou o estoque de bebida e eles resolveram ir embora, já próximo
do anoitecer. As latas vazias voltaram para o lugar em que vieram, já o resto
dos cigarros fumados, ela enterrou. Eu pensei sair e ir à rua conversa com eles
sobre o lixo deixado na areia da praia. A consciência exigia que eu fizesse uma
abordagem educativa, mas o fato de não conhecê-los e o conceito ético de
respeitar o próximo como ele o é, me fez recuar e evitar, talvez, um conflito.
Como o tempo não perdoa, meses depois conheci o casal e eles quiseram conhecer
minha casa, nessa oportunidade descobri que o marido era eleitor e defensor de
Bolsonaro e a mulher era a que deixou a sujeira na praia. Então a dúvida me
consumiu: contar para eles o corrido e a impressão que tenho sobre as atitudes
deles ou silenciar e deixar minha consciência magoada com minha atitude covarde
de se omitir diante dos fatos?

Caso 2

            Eu sou grato pelos trinta anos, que completarei em 2022, como
profissional do Serviço Público Federal, mais especificamente, como servidor
concursado da Universidade Federal do Pará e Federal da Paraíba. Os momentos
bons justificam minha escolha, todavia não posso passar por cima dos momentos em
que a ética entrou em conflito com minha consciência. O fato de ter sido do
Conselho Universitário – CONSUNI, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão –
CONSEPE e presidente do Conselho Curador me permitiu conhecer Leis, Resoluções,
Regimentos e Estatutos. Essas experiências colocaram à minha frente situações
que geraram discórdias entre a consciência e a ética. Muitos pareceres que
escrevi com base na legalidade me fizeram perder amigos e até pessoas queridas.
Infelizmente, no Brasil o “jeitinho” aplicado para amigos e correligionários tem
sido uma prática que coloca o país no mapa da corrupção endêmica. Casos como:
concursos dirigidos, alunos que não estudam e não frequentam as aulas, mas
querem passar, cópias e plágios são exemplos corriqueiros que me colocaram em
situações difíceis por defender a legalidade. Vou me aposentar como o chato;
todavia aquele que procurou fazer e ensinar o que é correto.  

Foto: Carlos Cartaxo

Caso 3

            Eu sou daquelas pessoas que gostam de caminhar na praia, no meu
bairro e de ir às compras a pé quando é possível. Nas caminhadas por Carapibus,
praia no município do Conde, litoral sul da Paraíba, encontro muitas gaiolas
penduradas no lado de fora das casas, varandas e janelas. Uma vez que eu passei,
um senhor estava saindo e eu indaguei perguntando qual era o prazer dele em
manter um ser vivo preso; um ser que tem asas e ele não permite que desfrute da
liberdade de voar. A resposta foi:

            ― Esses passarinhos são minha vida. Se eu soltar, rasgo meu coração!



            Diante de uma fala dessa, eu emudeci. Claro não tinha como
convencê-lo de que estava equivocado. Nem adiantava dizer que escrevi o texto
teatral, infantil, “O tico-tico cantador”, publicado no livro Teatro de
Atitudes, com o intuito de além de divertir, educar como o propósito de defender
a liberdade de voar dos pássaros.

            O marcante nessa história é que os pássaros presos continuam lá, a
polícia ambiental e a guarda municipal passam e fazem de conta que não vêem
nada. Diante de tal fato só me resta escrever sobre a questão, que termina sendo
uma forma de aliviar minha consciência, além de denunciar e questionar a ética
da polícia.

Caso 4

Diante desses imbróglios que geram conflitos entre a consciência e o
comportamento ético, uma vez ou outra aparece um bálsamo que alivia nosso
sofrimento nos dando a oportunidade de continuar a defesa da ética, apesar das
perdas e danos. Esse é o caso recente, dezembro de 2021, de uma aluna que me
enviou a seguinte mensagem:

― Professor, eu sei que o período letivo com a sua matéria já acabou, mas queria
muito te agradecer por tudo que o senhor ensinou. Graças a tudo que eu aprendi,
na sua aula, eu consegui outra nota máxima no artigo do professor Rodrigo.
Obrigada de verdade.

Terminar o ano de 2021, que não está sendo fácil, com a escrita de pequenas
crônicas sobre o tema desse artigo, alivia minha consciência diante do volumoso
mar de pouca ética que nos assola cotidianamente. É claro que não busco a
verdade, nem abordo o tema ética apenas pela ótica da filosofia. Contudo, cito
fatos que poderiam ser pitoresco, não obstante, são reais, logo susceptíveis a
investigação e apuração, porque são do conhecimento de todos visto que são
tratados de forma pública, seja na imprensa, na internet, nos cursos e
departamentos ou nos Conselhos Universitários. Como o tempo não pára e 2022 está
batendo na porta para adentrar, vamos adiante porque o horizonte é logo ali, mas
está muito distante de alcançarmos.  

Referência

Cartaxo, Carlos. Teatro Determinado. João Pessoa: Sal da Terra, 2005.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário


ESTRELAS POÉTICAS BRILHAM

Publicado em 9 de novembro de 2021 por carloscartaxo

Estrelas poéticas brilham

Carlos Cartaxo

            Este artigo é a continuidade da postagem Estrelas poéticas, de
agosto passado. Como a minha biblioteca é uma constelação de poetas, continuo
publicando poemas dos livros não citados na postagem anterior. É a extensão do
mergulho imaginário de poetas que alimentam a fome de leitora/es. Após deleites,
estes têm, consequentemente, ânsia de encontrar nas palavras o prazer de ser e
viver.

            Ao publicar o trabalho de poetas, me proponho a romper paradigmas
quanto a ser leitor de poemas. Cruzo o horizonte imaginário para fazer uma
viagem que passa por autora/es de vários mundos diferentes, com referenciais
geográficos que descrevem uma cartografia universal. São autora/es que, direta
ou indiretamente, têm uma ligação intelectual comigo, portanto fazem parte do
meu acervo bibliográfico e sentimental. São histórias de vidas expressas através
da arte; são criações que revigoram corações e mentes.

Alguns dos livros citados aqui, sinceramente, eu não sei como vieram parar em
minhas mãos, se foi aquisição, presente ou doação; outros sei que foi através do
coração. Tê-los ou lê-los me propicia uma simbiose que não deixa de ser uma
metamorfose. É um casamento entre sensibilidade e leitura. O certo é que
enriquecem minha biblioteca, me fazem mergulhar no universo da poesia e podem
ser acessíveis a quem, simbioticamente, imergir nessa associação de seres e
coisas, gente e livros, emoção e prazer, conhecimento e sabedoria.

Livro: Jardim da infância. Autor: Águia Mendes. João Pessoa: Editora
Universitária/UFPB, 1979.

HAIKAI

O epiléptico

               É um

Homem eléctrico.

Livro: Poesias completas. Autor: Casimiro de Abreu. Rio de Janeiro: Ediouro,
S/D.

VIOLETA

Sempre teu lábio severo

Me chama de borboleta!

— Se eu deixo a rosa do prado

É só por ti — violeta!

Tu és formosa e modesta,

As outras são tão vaidosas!

Embora vivas na sombra

Amo-te mais do que às rosas.

A borboleta travessa

Vive de sol e de flores…

— Eu quero o sol de teus olhos,

O néctar dos teus amores!

Cativo de teu perfume

Não mais serei borboleta;

— Deixa eu dormir no teu seio,



Dá-me o teu mel — violeta!

Livro: Ecos do céu da boa. Autor: Clariça Ribeiro. Cajazeiras: Arribação, 2021.

OCUPAÇÃO

Meu corpo

É terra

Para ser ocupada.

Jamais invadida.

Deixei aqui suas bandeiras

E simbologias

Conduza assembléias por minhas tessituras

Distribua tarefas

Aprenda minhas demandas internas

E licenciosas estruturas.

De usufruto consentido

Faça dele moradia

Faça dele plantação

Tire dele seu sustento

Mate com ele a sua fome

Só não permita meu corpo-terra

Ocioso, improdutivo e sem função social.

No que depender de mim

Estão abolidas

Repressões

Truculências



Despejos

E violências.

Livro: Mosaico. Autor: Ed Porto. João Pessoa: Manufatura, 2009.

RELAÇÃO DE APARÊNCIA

Tenho

medo

de extremos:

de emos

de ogros

de extras

de faltas

de gordos

dietas

ditaduras

de esquerdas

de monarcas

de anárquicos

de Roma

de Krisna

de E.T.A.

de zona

de yoga

de droga

de igreja

degredo

de mórmons

de hereges

de segredo

de abertura

de censura

descaso

decretos

desertos

de escadas

descidas

de insosso



de sacarose

de osso

de sobras

de fácil

difícil

detento

disperso

Dispenso

tudo

que pesa

prum lado

apenas

Embora

pareça

o contrário.

Livro: Reencontro: cultivando a essência da alma. Autor: Luiz Madrid. Deerfild
Beach: VlmPress, 2019.

O doce do beijo

A água na boca

Seu jeito, seu cheiro

É luz, é calor, só desejo.

Segue pelas matas do Serrano

Pelos trilhos de pedra

E os rios de diamantes

Uma força presente da natureza.

Caminhar, primeiro fica admirando

Depois, o só falar de alegria,

O riso nos olhos, o doce nos lábios

Um afago, um pequeno sufoco, uma falta de ar.

Dos morros dos cantos

Das pedras das cachoeiras

Do dia dos beijos roubados na gruta

Vejo teu corpo inteiro pelo canto dos olhos.

Do povo, das ruas e dos becos

Seguem os baianos, nasce a Dona Edite.

Das cores das casinhas e janelas, da luz amarela



Da noite, da luz da lua escondida, tudo inebria.

Dos brincos e pulseiras de couro

Da palha, do vento, do teu pensamento

Levo comigo teu corpo, e na voz de Caetano

Menino do Rio.

Os olhos se enchem de mágoa

Oh! Deus Xangô, me lave com a sua milagrosa água

Me benze, e só me deixa o bem

O bem do meu querer.

Fuja, mas não corra

Siga o seu caminho

Que as estrela te guiam

Pelas estradas e vida afora

Que as paisagens te falam

De um pequeno e simples libido

Reencontro de vida

Da estória do Pai Inácio, de um amor proibido.

Livro: cantando e contando histórias. Autor: Merlânio Maia. João Pessoa: Sal da
Terra, S/D.

OBSESSÃO DIFERENTE

Quando Severo Macedo

Se apavorava de medo

Num estado terminal

Dizia ele a tremer:

— Aurora eu vou morrer

Nessa cama de hospital

— Nem pense! Dizia Aurora

Esta não é a sua hora

Tem muita vida a viver

Se a morte negociar

Eu irei no seu lugar

Pois num vivo sem você

Mas aí, dali a pouco

Severo num grito rouco

Passou desta pra melhor

E a velha a se estrebuchar



Dizia: — Não vou ficar

Aqui nesse mundo só!

E assim daí por diante

Clamava a todo instante

— “Vem Severo, meu amor

Pois eu quero te seguir

Vem, me carregar daqui

Pois é grande a minha dor”

O coitado do Macedo

Parecia até brinquedo

Na mão dessa obsessão

Que nem de casa saía

Tão triste a sofrer vivia

Nessa subjugação

Dona Aurora sem parar

Implorando para ficar

Ao lado do seu amor

Certa noite quando o chama

Vê severo ali na cama

Doente e cheio de dor

Dá um grito e sai correndo

— É o diabo que estou vendo

Te afasta, vai para trás

Eu sei dos trejeitos teus

Meu Severo está com Deus

“Vá de retro” Satanás!

Severo lhe diz: — Aurora

Não me afastei, uma hora

Você não me deixa em paz

Aurora grita: — Sai fora

Mafarro, pé-preto, espora

Vai pro inferno, Satanás!

Mas daquele dia em diante

Ela mudou-se num instante

Não fez mais evocação

E o seu Severo adorado



Só assim foi libertado

Da sua louca obsessão!

Livro: Plumagem do vento. Autor: Paulo Sérgio Vieira. João Pessoa: Editora da
UFPB, 2019.

III

solo de mansinho.

poema ensaiando canto

de passarinho

maduros

caem os poemas.

pisamos fonemas

pé de poemas

cai, não cai, um haicai

preso a um fonema

poema maduro

e a inspiração se esvai.

cai, cai haicai.

sem borrões ou nódoas

a vida passa a limpo.

Novinha em folha

Livro: Varadouro. Autor: Políbio Alves. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB,
2003.

Logradouro confins do mundo

couraça humana, espanto profundo

olhos assustados, solidão soa

apito do trem pelos trilhos à toa.

Das entranhas do interior

para os roncos dos motores

até as bandas de Cabedelo,

               a chegada do trem

               desdobra pesadelo.

               Vagão-vagão

                              correndo

                              correndo

               boca de fogo

                              engolindo

               a terra, engolindo



               boca de fogo,

caldeira fervendo

               fervendo

Passageiros,

cargueiros,

cão sem dono

no seu sono.

Livro: Atos em arte. Autor: Regina Lyra. São Paulo: Scortecci Editora, 2006.

Mais tarde

Mais tarde, penso que vejo,

Imagino beijos.

Mãos fazem carícias,

Bocas dão notícias…


Na sede que me ponho,

Sinto fome dos braços

Entrelaçados

Corpo desejado, amado…

Acalma gosto da boca.

Sacia, a sede,

Corpos separados…

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário


PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Publicado em 10 de setembro de 2021 por carloscartaxo

Primeiras impressões

Carlos Cartaxo

Nesse momento volto a escrever sobre arte e ensino de arte, depois de alguns
poucos anos sem tocar nesse assunto. A abertura da 34ᵃ Bienal de Arte de São
Paulo, agora em 4 de setembro último, me fez pensar a tradicional, e talvez
ultrapassada, pergunta: isso é arte? Essa 34ᵃ Bienal tem como tema a frase Faz
escuro mas eu canto. São 91 artistas expondo, oriundos de 39 países. Uma marca
importante dessa Bienalé a exposição da arte indígena.  Falar da importância de
uma Bienal de Arte é desnecessário; basta registrar que a Bienal citada nos
presenteia com mais de mil pecas de arte expostas no Pavilhão da Bienal no
Parque do Ibirapuera em São Paulo. Além da pluralidade criativa que expõe as
possibilidades narrativas que a arte trás consigo, merece o registro de que a
entrada na bienal de São Paulo é gratuita, o que fortalece a tese de que nem
sempre arte é produto comercial, mas de deleite porque é uma expressão humana.

Eu tive a oportunidade de vivenciar uma Bienal de Arte de São Paulo, da mesma
forma a 52ᵃ Bienal de Arte de Veneza, em 2007. Essas e outras experiências com
arte e leituras, muitas leituras, contribuíram para o meu entendimento, hoje, do
papel da arte no contexto pós-moderno e, aceitar o conceito de que arte é aquilo
que o leitor entender como sendo arte. Esta leitura faz todo sentido, afinal é
época de bienal de arte de São Paulo; é época da arte ratificar e se estabelecer
como a liberdade de expressão humana. Um evento do porte de uma Bienal de Arte é
um encontro de ideias, percepções, técnica, pintura, colagem, performance,
vídeo, instalações e happening, além de outras possibilidades de expressões que
podem surgir. Uma Bienal de Arte é um acontecimento que rompe barreiras, conecta
países e o mundo propiciando intercâmbio cultural, ensino e aprendizagem.

Bienal de arte de Veneza. Foto: Carlos Cartaxo
No livro Amor invisível: artes e possibilidades artísticas o personagem Rubens
afirma que “arte tem um conceito aberto que depende da leitura do apreciador da
obra” (CARTAXO, 2015, p. 441). Esta argumentação desconstrói a ideia de que quem
determina o que é arte é um crítico, um professor, um diretor de arte, o
administrador de uma galeria, etc. É evidente que o personagem Rubens, na
citação acima, se pronuncia além do conceito moderno de mito ou gênio que é dado
para um artista. Essa compreensão aberta para o conceito de arte aponta para uma
re-significação desse conteúdo, o que corresponde a dizer que se precisa rever
os valores estéticos que são ensinados. Esta acepção teórica ratifica a
necessidade de se introduzir a cultura estética como um conteúdo nas aulas de
arte porque essa aprendizagem é tão importante quanto apenas citar artistas
impressionistas e expressionistas. No mesmo livro citado acima, o personagem
Rubens afirma que:

Para compreendermos nossa cultura, precisamos tratar as tendências estéticas
como uma disciplina variável e dúctil que propiciará a descoberta de riquezas,
por exemplo, de nossas tradições visuais que estão inseridas em um contexto
cultural, que evidentemente, amplia o
campo da historia da arte (CARTAXO, 2015, p. 449).

               Essa concepção ratifica que o conceito tradicional de estética
precisa ser revisto através de uma leitura crítica sobre a dita alta cultura, o
que vem sendo feito desde a Grécia antiga e que deve continuar. Pode ser
redundante falar de alta cultura ou cultura clássica porque, para muitos, o
conceito desta é intocável; todavia a tradicional bandeira da alta cultura deve
ser olhada com uma leitura pós-moderna porque sua aceitação já não é consensual.

Ao contraio, esse posto hierárquico elitista perdeu força e reconhecimento,
tendo em vista que a estética está presente a todos os campos das atividades
culturais. Isto significa dizer que estamos vivendo sob o efeito da
multiculturalidade (CARTAXO, 2015, p. 449-450).

Com base em Nestor Garcia Cancline busco no conceito de multiculturalidade a
resposta para uma leitura pós-moderna que a definição de estética suporta na
atualidade.  A questão não passa por gostar ou não gostar; mas por compreender
as transformações sociais, econômicas e culturais pelas quais a sociedade passa.
Eu posso não gostar de um trabalho artístico, mas jamais afirmar que não é arte.
A pluralidade do conhecimento e o respeito pelo trabalho e pela escolha de
outrem, quanto à arte, são condições essenciais para que o debate seja
estabelecido de forma construtiva.



Eu tive a oportunidade de ler uma postagem de um professor de arte, em uma rede
social, em que ele dizia que uma escultura de madeira, que sugeria uma árvore,
não era arte. Até hoje não sei se a divergência era técnica, ideológica ou
desconhecimento sobre história da arte, mais especificamente, a pós-modernidade.
A primeira impressão que eu tenho é que, muitas vezes, só se tem informação
sobre a arte acadêmica e a moderna, então, no caso citado, o conceito verdadeiro
de arte adotado foi o da modernidade, que se resume em definir como obra de arte
aquela que é original, única e autêntica. No caso da arte acadêmica, esta ficou
em segundo plano porque sua criação era basicamente a reprodução da técnica. É
fato que os Museus de Arte Moderna abriram e abrem as portas para redefinição da
arte, como consequência se tem a arte contemporânea que surgiu para quebrar de
vez com paradigmas como a do professor citado acima.

Além do conhecimento teórico e da formação artística, tenho a segunda impressão
de que o/a professor/a precisa trabalhar com uma metodologia adequada ao ensino
de arte. A metodologia construcionista, por exemplo, é um procedimento que tenho
adotado desde o meu curso de doutorado. A proposta ironista também é uma
corrente metodológica adotada por alguns artistas, que pode ser adotada no
ensino de arte. Esses procedimentos surgiram a partir do contexto pós-moderno
onde o sujeito ativo do processo de aprendizagem é o elemento construtor do
conhecimento; o professor ou instrutor é apenas o fio condutor da aprendizagem,
nunca o proprietário do saber.

Outra impressão, que trago comigo, é que apreciar, vivenciar, fruir e ensinar
arte são procedimentos, necessários ao ser humano, que exigem conhecimento,
leitura e experiência. Essa asserção ratifica a tese que defende a inserção do
ensino de arte, concomitante as experiências artísticas desde a primeira
infância porque a arte contribui para o equilíbrio emocional e a formação
cultural da criança, tornando-a um adulto culto, crítico e sensível.  O
personagem Rubens, já citado, critica a pedagogia predominante na maioria das
escolas e afirma que

Não há mais quem aguente a estrutura surreal alicerçada em lacunas entre teoria
e prática, prazer e saber, e motivação e aprendizagem. Ela passou a existir
dentro de um abismo deformado, cujas faces e ângulos estão cada vez mais
afastados da realidade. A escola se tornou uma úlcera da sociedade difícil de
cicatrizar. E o construcionismo pode ser um caminho para eliminar essa úlcera
(CARTAXO, 2015, p. 506).

               O construcionismo foi pensado, inicialmente por Seymour Papert,
todavia se tornou uma metodologia relacionada a um produto, que, no caso das
artes, pode ser uma imagem, um texto, um espetáculo cênico, uma instalação ou
uma atividade acadêmica ou escolar, onde o conteúdo do trabalho esteja
relacionado à realidade dos sujeitos envolvidos ou com o espaço, área ou local
em que foi produzido, realizado e/ou utilizado. Cito essa abordagem na minha
tese de doutorado e concluo que “é um processo em que há interação entre as
pessoas e o conteúdo trabalhado” (CARTAXO, 2015, p. 507). É importante registrar
que o construcionismo teve como âncora o pensamento crítico de Michel Foucault
para enfrentar a força das relações de poder, e também se ancorou na
pós-modernidade para confrontar os cânones do saber e do conhecimento.

Pode parecer repetitivo, mas não me entrego à redundância e repetirei quantas
vezes for necessária a afirmação de que a falta de leitura é a responsável por
conceitos repletos de verdades. Quando essas verdades partem de um/a professor/a
a situação se agrava porque se reproduz uma informação defasada, ou melhor,
ultrapassada por puro desconhecimento. É necessário ratificar que toda verdade é
relativa, portanto quando alguém estufa o peito para afirmar que sua verdade é
absoluta, vale a precaução de que o dono da verdade pode ser o rei da fraude.
Vivenciar e fruir arte são as primeiras impressões que nunca largam do
consciente e do inconsciente do ser humano.

Referências

BURR, Vivien. Introducció al construccionisme social. Barcelona: Universitat
Oberta de Catalunya: Proa, 1997.

CANCLINE. Néstor García. Culturas híbridas: Estratégias para entrar e sair da
modernidade. São Paulo, EDUSP, 1998.

CAREY, John. ¿Para qué sirve el arte? Barcelona: Debate, 2007.

CARTAXO, Carlos. Amor invisível: artes e possibilidades narrativas. João Pessoa,
Editora do CCTA, 2015.

COELHO, Teixeira. Moderno Pós-moderno. São Paulo: Iluminuras, 1995.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5ᵃ  Ed. Rio de Janeiro:  Graal, 1985.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário


ESTRELAS POÉTICAS

Publicado em 20 de agosto de 2021 por carloscartaxo

Estrelas poéticas

Carlos Cartaxo

Há muito tempo que se conhece a máxima: de poeta e louco, todo mundo tem um
pouco. Pois, então, eu fui visitar a minha biblioteca e encontrei vários
alfarrábios de poesia, traços de escritores que tenho proximidade e apreço; por
conseguinte resolvi dividir com minha dúzia de leitores a profundidade do
mergulho poético que costumo dar nas publicações de escritores que, pelo menos
um pouco, também, como eu, são loucos. Loucos pelos efeitos conotativos da vida,
pelas possibilidades reais e abstratas de se fazer etéreo no universo pensante
em que reside as possibilidades de ser humano.

O título Estrelas poéticas é um tanto comum, para não dizer redundante, já que o
desenho poético da criação, por si só, é uma estrela brilhante. Todavia, optei
por esse cabeçalho porque de fato, os trabalhos aqui comentados fazem parte do
mar bibliotecário que repousa nas estantes do universo físico da minha coleção
de escritores, poetas desvairados/as pelo além do olhar, do ver e enxergar;
construtores/as do ser viver. Cada mergulho que dou ao folhear um livro de
poesia, adentro na sensibilidade de poetas que, através dos seus escritos, dão
sentido à vida porque viver não é uma escolha, mas uma missão, portanto compete
a cada pessoa a liberdade de criar possibilidades que dão densidade as suas
escolhas na vida; nesse sentido a poesia é para todo/as, mas poucos se permitem
à oportunidade, e talvez, a ousadia de ser e viver fazendo usufruto do que a
colheita do cotidiano lhe permite desfrutar.

Em toda escolha há um risco, logo tenho consciência que às escolhas aqui
postadas são de minha inteira responsabilidade. Por se tratar de arte, parto do
princípio pós-moderno de que o/a leitor/a é cúmplice do reconhecimento da
seleção do/as escritore/as aqui publicado/as, mas não precisa concordar,
necessariamente, com a minha seleção dos poemas.  Como toda verdade é relativa,
abro as águas do mar poético aqui exposto para que o/as leitor/as possam
mergulhar na criação do/as poetas que aqui estão adoçando ou salgando o
desfrutar do seu trabalho criativo. Outra alternativa é voar por esse pequeno
universo de estrelas das letras. Esclareço que o critério adotado, digo a
curadoria, para a exposição dos poemas aqui publicadas parte do simples fato de
que são escritos que repousam na minha biblioteca particular, por conseguinte,
fazem parte dos meus mergulhos e vôos poéticos. A Aqui mantenho a forma tal qual
o poema foi publicado. Aquele/as poetas que ainda não foram citados/as aqui,
podem acrescer sua criação nos comentários como complemento ao mergulho que
possamos realizar, coletivamente, como desfrute do mar poético.

Livro: O sol de algibeira. Autor: Águia Mendes. João Pessoa: Ideia, 2010.

Tuas luas

como são lindas

essas luas

fora do teu corpete

na noite

que ruge nuvens

brilham aterradoras

lindos faróis



estrelas auxiliadoras

Livro: Sob o amor Autor: Antônio Mariano. São Paulo: Pautá, 2013 SOB O AMOR

V

Devoto,

eu vos elejo,

Ceres,

bendita entre as fêmeas,

razão da existência

de minha fome.

A senhora é pra comer

rezando,

banquete divino

que se renova

em moto-contínuo,

pés,

mãos,

olhos,

boca,

peito,

umbigo,

greta sagrada,

orifício,

ajoelho-me

e vos adoro.

Livro: Acaso caos. Autor: Bruno Gaudêncio. João Pessoa: Ideia, 2013.

Acaso caos

o caos que existe em nos

não faz a cama,

mas abre as portas,

as pernas…

o acaso não liberta,

mas deixa a chama,

a chave,

na porta…

na pele

? acaso o caos



não é o cobertor?

? a madeira que divide

os nossos corpos

na hora do sexo?

Livro: Tempo. Autor: Emília Guerra. João Pessoa: Manufatura, 2008.

O tempo

De dar tempo

Ao tempo

O presente que

Ele e ela

Não quer

Quando acaba

O namoro

Para o homem

Ou para a mulher

Livro: As palavras me escrevem. Autor: Hildeberto Barbosa Filho. Itabuna:
Mondrongo, 2019.

Adormeço

na madrugada dos teus seios,

vítima das vertigens

do repouso.

A noite adentra

meu corpo como pétalas

de luzes que não se apagam.

Só sei cantar os astros

do amor, quando o amor

derrama suas águas luminosas

no meu coração.

Desdenhem de mim,

poetas maiores, com suas elipses

aristocráticas.

Só sei cantar o que me encanta.

A loucura da musa,

sua beleza inenarrável.

Dante, Petrarca, Camões

fizeram assim.



Sou humildemente

um poeta menor, um lírico

de si mesmo, quase feliz

só por ter a minha amada

para cantar.

Verso nenhum vale

a sagrada sílaba

de quem ama.

Livro: O circo, o bicho e a festa. Autor: José Leite Guerra. João Pessoa: Edição
do autor, S/D.

Salto solto

nasceu palhaço

teve vergonha

deixou de ser

vestiu-se homem

partiu ao sério

armou abraço:

o próprio circo

tanto mistério

perdeu o nome

e, também, homem

deixou de ser

Livro: Vislumbre. Autor: Marcos Barros. João Pessoa: Sal da Terra, 2005.

Limiar

No limiar

absorvo as horas,

os dias…

Absorvo o homem,

a vida…

Como a areia absorve a água.

Galopo pra não ser absorvido

no sequenciar…

Engulo para não ser engolido,

consumo para não ser consumido.

Ando para não ser passado,

faço história para ser sujeito,



sou sujeito para ter direito.

Livro: Diálogo das horas. Autor: Paulo Sérgio Vieira. João Pessoa: Editora da
UFPB, 2014.

XXV

A abelha sopra

Mel no bambual

É flauta doce

Livro: Ilha perdida. Autora: Porcina Furtado. Cajazeiras: Editora Arribaçã,
2021.

Brincadeira

Não escrevo as minhas memórias

Escrevo para os dias de sol

Pra menina debruçada na janela

Que sonha acordada na tarde que finda

Escrevo para a insônia da noite

E para os devoradores de versos

Escrevo para os amantes e viajantes

Escrevo porque posso escrever

Brincar com todas as palavras

Escrevo para a lua dançante

E para os vagalumes brincantes

Escrevo para não desperdiçar os dias

Todos os poemas são inventados

Porque você chegou tarde.

Livro: Entre nós. Autor: Regina Lyra. João Pessoa: Editora Universitária UFPB,
2008.

Noites insones

As noites

Buscam o Cacique

Sem fim.

Neste momento preciso,

A fala tem nome,

Apenas o desejo forte explica.

O Pajé anuncia:

Na dança,

No açoite do relâmpago

Da tempestade, enfim.

Sede do papo

Fome sem fim.

Livro: Entre Parénthesis. Autor: Romualdo Rodrigues Palhano. João Pessoa: Sal da
Terra, 2010.

À primeira vista

Parece ser morte é vida

Parece ser vida é morte

Parece ser belo é disforme

Parece ser rico é pobre

Parece ser infame é glorioso

Parece douto é ignorante

Parece robusto é fraco

Parece nobre é ignóbil

Parece fraco é inteligente

Parece alegre é triste

Parece favorável é contrário

Parece amigo é inimigo

Parece salutar é nocivo.

Livro: O avesso da pele. Autor: Waldir Pedrosa Amorim. João Pessoa: Manufatura,
2005.

 O avesso do tempo

Pelo lado de dentro do tempo

esqueci das paradas

dos semáforos

dos sinais de contramão.

Era o avesso que me guiava

no surdo palmilhar.

Nem dos afavores, nem dos contrários eu

entendia.

Nem se os ventos atiçavam os meus pelos nem

em que direção.

Nada da epiderme eu pressentia, senão o avesso

da

epiderme.

Bastava-me este,

se é que importava o que bastasse,

ou, o que ausência tivesse provocado.

Era o avesso, o íntimo, o interior,

o refratário às medidas.

Era uma tipografia ruminada

entre silêncios.

Era o avesso do tempo: poesia.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário


INTERVENÇÃO E SUSTENTABILIDADE NA ORLA MARÍTIMA DA PARAÍBA

Publicado em 23 de junho de 2021 por carloscartaxo

Carlos Cartaxo



A cidade de Parahyba*, oficialmente denominada João Pessoa, tem avançado a
passos largos no sentido de se tornar uma metrópole, ou seja, uma cidade com um
milhão de habitantes. Hoje a área metropolitana da capital já se aproxima desse
número, o que exige muito empenho dos gestores públicos no sentido de adequá-la
para continuar sendo uma cidade com urbanização planejada para se viver com
qualidade de vida. Um dos desafios para os administradores é equacionar o
conflito entre desenvolvimento e preservação do meio ambiente numa cidade
centenária. A capital do Estado da Paraíba é banhada pelo oceano Atlântico;
estado que tem um litoral pequeno com apenas 138 quilômetros de extensão entre a
fronteira com o Rio Grande do Norte e com Pernambuco, no Nordeste brasileiro. Na
área metropolitana da capital paraibana está um litoral atrativo para
empreendimentos do segmento turístico, logo muitos empregos na área de serviços;
setor que gera muita renda, por conseguinte, deleito de quem nele mora e para
quem vem visitá-lo.

Defender a natureza mantendo a singularidade e originalidade de um ambiente é um
dever de toda/o cidadã/o civililzada/o. Introduzo esse artigo com essa tese
porque desde a juventude sou defensor na natureza. Para justificar esse
argumento lembro que em 2005 lancei o livro Teatro de Atitudes que trás na
contracapa o texto

”O livro demonstra a necessidade de um fazer teatral esteticamente ligado as
atitudes do cotidiano social. Tanto a forma como o conteúdo, devem estar
construído de tal maneira que seu signos provoquem uma ação interior,
estimulando assim uma leitura completa da obra de arte. Além dos capítulos
teóricos há a publicação de dois textos teatrais: O Espigão Gaiato  e O
tico-tico cantador, que ratificam o significado do Teatro de Atitudes” (CARTAXO,
2005).

Ambos os textos teatrais foram montados pelo Grupo de Teatro Suspensório
Produções Artísticas e têm um foco na defesa do meio ambiente. No caso do
Espigão Gaiato, a produção da montagem foi da APAN – Associação Paraibana de
Amigos da natureza e

Foi concebido para ser montado como teatro de rua. Entretanto, inúmeras vezes
foi apresentado em auditórios e em espaços alternativos. O texto foi escrito por
sugestão da APAN que desencadeou a luta contra a construção de edifícios com
mais de três andares na orla marítima do estado da Paraíba e, mais
especificamente, da cidade de João Pessoa (CARTAXO, p. 95, 2005).

Em 2009 lancei o livro Teatro Determinado, obra composta de cinco textos
teatrais de minha autoria: A carne é fraca e Terra Brasilis, no gênero teatro de
revista; A mangueira, teatro de rua; A saga do Caranguejeiro, como dramaturgia e
meio ambiente; e Diálogos do absurdo, como teatro do absurdo.  Os textos desse
livro foram escrito a partir de pesquisa e em parceria com colegas dramaturgos e
discentes que trabalharam comigo. No caso em pauta nesse artigo, cito o texto A
saga do Caranguejeiro, escrito em parceria com Guto Sarmento, Jefferson Souza,
Ivaney Darlin, Márcia Lima e Vergara Filho, montado em Belém do Pará e produzido
pelo Programa Internacional de Formação de Lideranças e Desenvolvimento
Comunitário – Fellows IV da ONG – Organização Não Governamental Companheiros das
Américas.

Essa montagem fez parte de uma proposta maior de optar por trabalhar com teatro
didático. É importante ressaltar que o teatro didático tem o compromisso
estético tanto com a forma quanto com o conteúdo. Não obstante, o objetivo fim
não é a apresentação em si, mas o processo de montagem. Esse método tem a
característica de ser durante o processo de montagem que se dá a aprendizagem, o
amadurecimento e a evolução da convivência em grupo, do respeito ao próximo, do
exercício a leitura e ao pensar (CARTAXO, p. 156, 2005).

               Com A saga do Caranguejeiro trouxemos para o debate público um
problema persistente que é a exploração irregular da caça de caranguejos no
litoral brasileiro ferindo o equilíbrio do meio ambiente. O biólogo paraibano
Vergara Filho foi o mentor e consultor técnico, que em conjunto com o médico e
compositor paraense, em memória, Alcyr Guimarães criaram a trilha sonora
exclusiva para o espetáculo.

Em 2016 iniciei o projeto Pingos de Leituras na comunidade de Carapibus, Conde,
município da Paraíba, com apoio dos Companheiros das América, que teve o
objetivo contribuir para com a formação educacional e cultural de crianças e
jovens de baixa renda na comunidade de Carapibus, Município do Conde, Paraíba,
Brasil. Revistas e livros foram doados e nasceu o trabalho de educação ambiental
na praia de Carapibus. Jovens universitários se uniram ao projeto para implantar
a cultura de defesa do meio ambiente.

Voluntários e crianças do Projeto Pingo de Letras. Foto: Carlos Cartaxo

 Os participantes eram estudantes voluntários, professores e técnicos da
Universidade Federal da Paraíba, Clube do Conto da Paraíba e do Suspensório
Produções Artísticas, organizações que têm vasta experiências em ações
educativas e culturais.   

Jovens que visitaram e participaram o Projeto Pingo de Letras. Foto: Carlos
Cartaxo

Essas obras dramatúrgicas publicadas, fruto de montagens teatrais, e as ações
citadas acima compõem a base teórica da minha tese sobre desenvolvimento e
sustentabilidade no litoral paraibano nesse contexto de condição pós-moderna que
estamos inseridos e, bem ou mal, vivendo. A condicionante aqui defendida, em
nenhum momento parte do princípio que é verdadeira, até porque creio que toda
verdade é relativa e sua aceitação depende do ponto de vista do leitor.



O mundo e sua trajetória de sustentabilidade

               As minhas experiências circulando em volta do mundo servem de
alicerce para a tese que defendo e que foi construída em concomitância com
leituras, debates e estudos pelos continentes: americano, africano e europeu,
portanto não se baseiam apenas no conceito insuficiente do “achismo”.

Ações humanas na paisagem urbana têm sido procedimentos milenares que nos remete
ao Egito e Roma antiga. Essas intervenções tem sido uma constante na linha do
tempo da história da humanidade até hoje.  Para esclarecer meu raciocínio faço
alguns questionamentos que tornam difíceis a contestação com respostas
negacionistas. Vejamos: O que seria do Egito sem a remoção de pedras para a
construção das pirâmides e das esfinges? O que seria de Europa sem o
deslocamento de pedras para a construção de aquedutos pelos romanos? O que seria
do feudalismo sem o deslocamento de pedras para a construção dos castelos
medievais? O que seria da centenária Veneza, Itália, que desde a idade média,
administra o avanço do mar que constitui sua bucólica paisagem?

No Brasil temos inúmeros casos a serem citados e, consequentemente,
questionados, por exemplo: o que seria do Rio de Janeiro sem a intervenção na
orla para construção do aterro do Flamengo e da Avenida Niemeyer, intervenção na
mata atlântica para a construção do Cristo Redentor? O que seria de Cabedelo, no
estado da Paraíba, se não fosse à construção de gabiões, quatro décadas atrás,
que interromperam o avanço do mar, garantindo a existência da cidade que fica no
nível do mar? O que seria da Praia de Manaira em Parahyba, capital da Paraíba,
se não fossem os gabiões também construídos para cessar o avanço do mar? O que
seria da Praia de Iracema, em Fortaleza, Ceará, sem a contenção do avanço do mar
com pedras na construção de quebra-mar? O que seria do centro histórico de
Recife sem o quebra-mar que garante segurança à existência daquele sítio
histórico urbano? Saindo do Brasil, mas continuando nas Américas, cito Os
Estados Unidos da América onde várias cidades tiveram intervenções urbanas para
garantir a estabilidade do avanço das águas que compõem suas paisagens, por
exemplo: o que seria da cidade de Nova Iorque sem a intervenção da orla do rio
Hudson que banha a ilha de Manhattan? O que seria de Miami sem a contenção do
mar com o aterro da praia de Miami Beach? O mesmo vale para a estabilidade da
paisagem urbana nas cidades de Boston, Chicago, e as inundações das cidades do
sul dos Estados Unidos da América banhadas pelo Golfo do México. Na África, além
das intervenções já citadas no Egito, registro a intervenção em Angola com a
construção do aterro da Baia de Luanda. Na Europa, além de Veneza, já citada, o
que seria da Holanda sem a tecnologia de construção de 32 quilômetros de diques,
que se tornaram rodovias, que cortam as águas evitando o avanço do furioso Mar
do Norte e as inundações que submergiam parte do país? Os diques constituem uma
gigantesca obra que formou o lago “Ijsselmeer” e garante a existência segura do
país hoje. Na Ásia, o que seria do Tokyo, Japão, sem o sistema de prevenção
contra enchentes?

Eclusa do dique de Lelystad, Holanda. Foto: Carlos Cartaxo

É certo que qualquer intervenção no meio-ambiente, necessária quando do avanço
da urbanização nas cidades, merece análise crítica, e contestação acendendo o
debate equilibrado no que concerne ao direito de preservar e de viver. Reconheço
que se houvesse uma posição extremista, durante os séculos passados, contrária a
intervenção do ser humano no meio ambiente, a história teria tomado outro rumo;
caminho que fica difícil de imaginar qual seria quando nos referimos a um mundo
com a geopolítica existente hoje e uma população de 7,87 bilhões de habitantes.

Às vezes a tese do quanto pior melhor acende a luz de alerta que trago comigo.
Sem querer ser dono da verdade, ao contrário, querendo entender as verdades
quanto às intervenções humanas no meio ambiente e, principalmente, nas paisagens
urbanas, me questiono sobre as verdades pregadas com afinco, por ambientalistas,
cientistas e acadêmicos, como sendo o caminho único a ser seguido e mantido no
que concerne à adaptação do ser humano ao meio em que vive.

*A opção de reconhecer a denominação da capital paraibana como Parahyba se deve
ao fato de que Parahyba é uma denominação cultural que perdurou por 360 anos até
que um fato político, assassinato do presidente (denominação do governador) João
Pessoa mudou o nome da cidade para João Pessoa, denominação que representou uma
facção política hegemônica da sociedade burguesa paraibana da época.

Referências

CARTAXO, Carlos. Teatro de Atitudes. João Pessoa: Sal da terra, 2005.

________. Teatro Determinado. João Pessoa: Editora Sal da Terra, 2009.

g1.globo.com/globo-reporter, 25/07/2014. Consulta em 16/06/2021 às 15:50.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário


O “ACHISMO” NO UNIVERSO DA COMUNICAÇÃO

Publicado em 3 de junho de 2021 por carloscartaxo

 O “achismo” no universo da comunicação

Carlos Cartaxo

É natural a preocupação da família com relação à formação dos filhos e,
consequentemente, seu futuro. A educação ética e moral deve ser a luz pedagógica
que clareia essa formação, cujo objetivo é constituir e consolidar uma sociedade
justa e democrática, que respeita os sujeitos sociais e suas diferenças. Em
alguns casos essa abordagem educativa se dá de forma conservadora, em outros,
literalmente, revolucionária. Embora esse conteúdo esteja inserido na grade
curricular dos programas escolares, diretamente através da sociologia e da
filosofia, ou indiretamente através de outras disciplinas, há quem considere
esse conteúdo desnecessário ou indesejado, portanto desqualificado. Não obstante
essa posição conservadora e indo no sentido contrário dela, eu compreendo que
estudos com esse foco são de extrema importância para se alcançar a tão sonhada
sociedade civilizada, logo, evoluída.

Pesquisadores da comunicação têm se voltado para essa questão com afinco, no
sentido de investigar até que ponto o que é veiculado nas mídias, em especial na
televisão, contribui para o equilíbrio social e consolidação de uma sociedade
democrática e plural. Em contrapartida, os meios de comunicação poderosos, me
refiro aos grandes conglomerados corporativos, se valem do conceito de liberdade
de imprensa para veicularem excessos e com eles, desvios de valores, nas
informações que colocam no ar, como sendo verdades absolutas.     

A comunicação sempre foi considerada um quarto poder, o que lhe dá uma
importância significativa, por conseguinte garante a defesa da liberdade de
expressão, que por vez, se entende como emissão e propagação de informações
precisas, éticas e corretas. Essa compreensão deveria ser regra e princípio no
universo da comunicação; todavia as pesquisas comprovam que há uma tendência ao
contrário. Muito do que é veiculado como informação tem o efeito contrário de
desinformar. Nesse sentido, se diagnostica a adoção massiva de conteúdos sem
fundamentação teórica, o que se configura como prática do “achismo”. A
constatação parece óbvia, mas não é. A afirmação de que o “achismo” é uma doença
contagiosa, grave, pode parece leviana, contudo essa assertiva tem crédito e
precisa ser analisada com profundidade para ser ratificada como a praga da
desinformação.

Foto: Carlos Cartaxo

Em recente trabalho como professor e pesquisador da Universidade Federal da
Paraíba na área de arte e comunicação pude constatar que parte dos
comunicadores, muitos deles jornalistas, se baseiam em informações sem
consistência científica para formar opinião e, como consequência, disseminar
inverdades ou meia-verdade. É o conhecido jornalismo sensacionalista. Nesse caso
recorro ao Dicionário de Comunicação para definir esse tipo de jornalismo:

Estilo jornalístico caracterizado por intencional exagero da importância de um
acontecimento, na divulgação e exploração de uma matéria, de modo a emocionar ou
escandalizar o público. Esse exagero pode estar expresso no tema (no conteúdo),
na forma do texto e na apresentação visual (diagramação) da notícia. O apelo ao
sensacionalismo pode conter objetivos políticos (mobilizar a opinião pública
para determinar atitudes ou pontos de vista) ou comerciais (aumentar a tiragem
do jornal). (…) 2. Qualquer manifestação literária, artística etc,. que explore
sensações fortes, escândalos ou temas chocantes, para atrair a atenção do
público (BARBOSA e RABAÇA, 2002).

A questão de proferir argumentos que, segundo o emissor, são verdades ditas e
escritas, no fundo se pauta na concepção do comunicador que “acha” que
determinado assunto é verdade ou mentira. O Grupo de Pesquisa Comunicação, Artes
e possibilidades narrativas, do Centro de Comunicação, Turismo e Artes da UFPB,
pesquisou programas policias da televisão brasileira e pôde constatar que o
“achismo” é a base da fundamentação teórica que dá sustentação as opiniões
emitidas por certos comunicadores. Estes profissionais desconhecem o movimento
hegeliano que se resume em: tese/antítese/síntese, ou seja, a base da informação
veiculada, centrada no tripé: violência, sangue e morte, não apresenta conteúdo
que dê sustentação qualitativa a mensagem emitida. A base da informação
veiculada é, só e somente só, “achismo”, não tem uma tese que se contraponha a
antítese social, que dê sustentação teórica para que dela se tenha como
resultado uma síntese. Desses programas o que fica são frases de efeitos com
provocações espetaculares, sensacionalistas, como: mais um bandido tirado de
circulação; bandido bom é bandido morto; aqui não tem ninguém para defender
bandido; se tiver de morrer que seja o bandido; a polícia abriu fogo e meteu
chumbo. Essas mensagens são proferidas constantemente, repetidas como mantra, a
cada três minutos.

Essa abordagem sensacionalista que chega, ao leitor desavisado, como um petardo
reluzente de verdades e soluções tem que ser abominada e contestada porque é uma
fábrica que produz inverdades, por conseguinte, desinformações. A abordagem
crítica em questão não deve ser focada no confronto entre bandido e polícia;
mas, em narrativas que reflitam as contradições sociais do nosso cotidiano, como
por exemplo: Porque existem bandidos? Que tipos de bandidos existem? O que leva
um/a jovem ao mundo do crime? No combate, o bandido rico recebe o mesmo
tratamento do bandido pobre? A diferença de classe é um fenômeno social e
econômico gerador de bandidos? A mídia sensacionalista dá ao bandido da
periferia o mesmo tratamento que dá ao bandido de paletó e gravata? Por que o
tráfico de armas e drogas não é combatido, rigorosamente, pelas polícias? Por
que setenta por cento dos presidiários são negros? Por trás dessas questões
deveriam está abordagens à legítima defesa do Estado de Direito, do combate ao
autoritarismo e ao abuso de poder. Eis a questão que precisa está viva e
presente na democracia e nos meios de comunicação!

Por trás da narrativa sensacionalista há a multiplicação exponencial do discurso
de ódio; por exemplo, dissemina informações inverídicas sobre direitos humanos.
A tese de que bandido bom é bandido morto é uma constante subliminar que
programas policiais disseminam baseada no discurso de que a salvação social não
é a redução da diferença de classe, mas a morte dos bandidos. Antes de tudo, é
bom definir que essa é uma questão conceitual. Como alguém ocupa o assento de um
estúdio de rádio, televisão ou de gravação de vídeo e se apropria de um
microfone para emitir informação que não conhece? Falar de violência, de polícia
e bandido exige conhecimento, estudos científicos sobre o tema; se assim não o
for, o conteúdo proferido é puro “achismo”, portanto suspeito pela ótica do bom
jornalismo, da ética e da verdadeira liberdade de expressão.

Os comunicadores pesquisados demonstram que nunca leram sobre direitos humanos e
se arrogam ao “achismo” denotativo que denigre o conceito de direitos humanos;
se arvoram a falar de direitos sem conhecê-los. Nunca leram Nietzsche para
entenderem as relações de macro e micro poder; para adquirirem a informação de
que o conhecimento é uma característica nata, evolutiva, do ser humano.
Consequentemente, sem encontrar neles conteúdo substancial sobre as informações
por eles veiculadas, sou levado a questionar: Como um comunicador ousa falar de
violência sem nunca ter lido o livro Brasil nunca mais, publicação da
Arquidiocese de São Paulo ou o livro Direitos Humanos: Violência e diversidade,
publicação do CCTA/UFPB? Essa é uma questão que resulta da constatação de que o
desconhecimento gera a desinformação que induz a concepções inverídicas ou, no
mínimo, suspeitas.

Outra reflexão precisa ser abordada aqui, que é o fato de que por trás dessa
questão ética e moral está a tão almejada audiência nos meios de comunicação, o
que significa dinheiro e poder; em busca dessa dita cuja, se dá um desvio na
ética e se usa o “achismo” como fonte de verdades, emitindo informações que
ferem a liberdade de expressão porque, em muitos casos, contribuem pouco ou
quase nada, com a informação ética. Um apêndice que fortalece essa prática é o
investimento que empresas fazem nesse tipo de programação. Cabe a nós
pesquisadores alertarmos a sociedade sobre essa prática nefasta que emite, em
forma de impropério, informações que ratificam a disseminação do ódio e a falta
de ética em nome da liberdade de expressão.

Alguns veículos de comunicação e, mais especificamente, comunicadores, insistem
em afirmar que João Pessoa é a cidade mais verde do Brasil. A partir de algumas
informações duvidosas, décadas atrás, essa inverdade se expandiu pelas redes
sociais. Recentemente a célebre paraibana, Juliette Freire, falou essa inverdade
no Programa do Faustão da rede Globo sem se dá conta de onde tirou essa matéria.
Infelizmente essa é outra informação baseada no “achismo” porque não tem base
científica alguma. Não há estudos que comprovem esse argumento falacioso, há
muito divulgado por alguns comunicadores no Estado da Paraíba. Por muito tempo
foi divulgado que João Pessoa, que deveria se chamar Parahyba, era a segunda
cidade mais verde do Brasil. Agora se espalha que é a primeira. O “achismo” se
expande como fogo no palheiro, baseado em ilações que não têm base científica,
porque não são oriundas de um conteúdo cuja fonte gera o que não é criado a
partir do sentido concreto e real da informação.

A ausência de informações com base científica nos programas sensacionalistas é
tão acentuada que alguns comunicadores falam de fome sem entender uma vírgula do
papel da assistência social. Confundem assistência social com assistencialismo.
A fome é uma praga do mundo não civilizado e está diretamente ligada a
diferenças sociais, a concentração renda e corrupção, mas o/as comunicadore/as
senhore/as da verdade ousam falar de corrupção sem ter como base as políticas de
combate a fome e a defesa da ética na política, ações fáceis de serem
assimiladas porque são bem sucedidas no mundo contemporâneo.

A lógica da tão combatida desinformação do “achismo” é: quanto mais gente
imbecilizada, mais dificuldades terão os desinformados de decodificar as
verdades e, consequentemente, as inverdades. É incoerente pensar que a emissão
de meias-verdades significa formação, ao contrário, o desconhecimento do
conteúdo das matérias veiculadas gera inverdades que repetidas inúmeras vezes,
cotidianamente, adquirem senso de credibilidade, embora sejam inverídicas.

Há inúmeros artigos científicos sobre o tema abordado aqui. Todavia cito o
artigo “Jornalismo Policial: Influência no Pensamento de Crianças e
Adolescentes” de Elisângela Marinho Bezerra e Roberia Nadia Araujo Nascimento da
Universidade Estadual da Paraíba – Campina Grande, Paraíba, apresentado no
Intercom pelo fato deste ser voltado para o universo pedagógico. A pesquisa
realizada com crianças de 12 à 14 anos de turmas do 7º e 8º ano da Escola Maria
de Socorro Aragão na cidade de Monteiro-PB. O instrumento metodológico utilizado
foi a aplicação de um questionário para diagnosticar as informações e opiniões
emitidas no programa policial Cidade Alerta, que tinha como âncora o jornalista
Marcelo Rezende, na Rede Record. A hipótese do artigo é “que o jornalismo
policial produzido no Brasil não é adequado para as crianças e adolescentes e se
justifica por se constituir material capaz de provocar reflexões sobre a
qualidade e questões éticas que abalizam esse tipo de conteúdo jornalístico”
(BEZERRA e NASCIMENTO, 2015). Esse artigo ratifica a tese aqui defendida de que
o jornalismo policial, dá forma como é gerido, fortalece a prática do “achismo”
na comunicação .

O jornalismo policial sensacionalista não é errado como muitos críticos afirmam,
ele pode sim contribuir de alguma forma, talvez em uma parcela bem pequena para
o desenvolvimento intelectual de nossa sociedade. O grave e crucial erro está no
fato de não levar a sociedade a refletir sobre os assuntos que estão por trás
das notícias transmitidas. Se ater apenas a dualidade Bem e Mal, é um equívoco
gravíssimo, condenar pessoas por crimes cometidos, sem ao menos mostrar ao
público quais os verdadeiros motivos que levaram aquele ser – humano a cometer
tal ato, é contra a ética jornalística, que nos orienta a mostrar sempre os dois
lados da história, e de todos os ângulos possíveis e imagináveis (BEZERRA e
NASCIMENTO, 2015).

As considerações parciais do trabalho do Grupo de Pesquisa Comunicação, Artes e
possibilidades narrativas, que motivaram esse artigo, aqui publicado, demonstram
que é preocupante o que vem sendo veiculado na televisão aberta brasileira,
principalmente, nos programas sensacionalistas de cunho policial. A não
fundamentação do conteúdo veiculado cotidianamente, pelos comunicadores dos
programas policiais, pode causar um desserviço à sociedade e a democrática
porque dissemina a cultural da meia-verdade por meio da argumentação falaciosa
do “achismo”.

Referências

ARNS, Paulo Evaristo. Brasil nunca mais. Petrópolis: vozes, 1986. 12ᵃ Edição.

BARBOSA, Gustavo; RABAÇA, Carlos Alberto. Dicionário de Comunicação. Editora
Campus. 5 edição. 2002.

BEZERRA, Elisângela Marinho; NASCIMENTO, Roberia Nadia Araujo. Jornalismo
Policial: Influência no Pensamento de Crianças e Adolescentes. Intercom –
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XVII
Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Natal – RN – 02 a
04/07/2015.

BRUM, José Thomas. Nietzsche: as artes do intelecto. Porto Alegre: L&PM, 1986.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

MELLO, Patrícia Campos. A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news
e violência digital. Companhia das Letras,

RABAY, Glória; BATISTA, Gustavo B. de M; OLIVEIRA, Hilderline Câmara de; ARAÚJO
Jaíne; FRANÇA, Marlene Helena de Oliveira; IRELAND, Timothy Denis (Orgs).
Direitos Humanos: Violência e diversidade/E-book. João Pessoa: Editora do CCTA,
2020, Vol 2.

Publicado em Sem categoria | Deixe um comentário
← Posts anteriores

 * Pesquisar por:


 * POSTS RECENTES
   
   *  Lições de Carolina Maria de Jesus
   * O indígena Brasileiro e os estudos étnico-raciais
   * Educação, etnia e raça.
   *  Cultura e formação ideológica
   * A consciência, a ética e os eternos conflitos


 * COMENTÁRIOS
   
   carloscartaxo em Machismo e memóriaJenny Rugeroni em Machismo e
   memóriaBENILDE CASSANDRA em Mais um personagem do meu livr…Sara Maria
   G.Oliveir… em A indulgência como conexão ent…Rilda em Formação de professor e
   qualid…


 * ARQUIVOS
   
   * abril 2022
   * março 2022
   * fevereiro 2022
   * janeiro 2022
   * dezembro 2021
   * novembro 2021
   * setembro 2021
   * agosto 2021
   * junho 2021
   * março 2021
   * janeiro 2021
   * outubro 2020
   * setembro 2020
   * julho 2020
   * abril 2020
   * março 2020
   * dezembro 2019
   * junho 2019
   * maio 2019
   * abril 2019
   * março 2019
   * dezembro 2018
   * novembro 2018
   * setembro 2018
   * agosto 2018
   * julho 2018
   * junho 2018
   * maio 2018
   * fevereiro 2018
   * maio 2017
   * abril 2017
   * novembro 2016
   * julho 2016
   * abril 2016
   * fevereiro 2016
   * dezembro 2015
   * novembro 2015
   * outubro 2015
   * setembro 2015
   * julho 2015
   * junho 2015
   * maio 2015
   * março 2015
   * janeiro 2015
   * novembro 2014
   * maio 2014
   * abril 2014
   * fevereiro 2014
   * janeiro 2014
   * outubro 2013
   * setembro 2013
   * junho 2013
   * maio 2013
   * abril 2013
   * maio 2012
   * novembro 2011
   * agosto 2011
   * julho 2011
   * novembro 2010
   * outubro 2010
   * setembro 2010
   * agosto 2010
   * julho 2010
   * junho 2010
   * maio 2010
   * fevereiro 2010
   * julho 2009
   * junho 2009
   * maio 2009
   * abril 2009
   * março 2009
   * setembro 2008
   * maio 2008
   * abril 2008
   * outubro 2007


 * CATEGORIAS
   
   * Conferência
   * Ensino de arte
   * Entretenimento
   * Exposição
   * Libros
   * Livros
   * Sem categoria
   * Teatro


 * META
   
   * Cadastre-se
   * Fazer login
   * Feed de posts
   * Feed de comentários
   * WordPress.com
   
   

Universo de Carlos Cartaxo
Crie um website ou blog gratuito no WordPress.com.

Universo de Carlos Cartaxo
Blog no WordPress.com.
 * Seguir Seguindo
    * Universo de Carlos Cartaxo
      Cadastre-me
    * Já tem uma conta do WordPress.com? Faça login agora.

 *  * Universo de Carlos Cartaxo
    * Personalizar
    * Seguir Seguindo
    * Registre-se
    * Fazer login
    * Denunciar este conteúdo
    * Visualizar site no Leitor
    * Gerenciar assinaturas
    * Esconder esta barra

 

Carregando comentários...

 

Escreva um Comentário
E-mail (obrigatório) Nome (obrigatório) Site


Anúncios
Powered by wordads.co
We've received your report.

Thanks for your feedback!
Seen too often
Not relevant
Offensive
Broken
Denunciar este anúncioPrivacidade