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(D)EFORMA TRIBUTÁRIA: PROMESSAS E REALIDADES

Milena Bastos

O assunto mais comentado dos últimos meses, e com certeza dos próximos também, é
a tal da “Reforma Tributária”, que carinhosamente decidimos apelidar de Deforma
Tributária, votada no início de julho (07/07/2023). A Deforma Tributária teve
sua proposta aprovada em segundo turno na Câmara dos Deputados e o placar
registrou 375 votos a favor, 113 contrários e 3 abstenções para o texto da PEC
nº 45/2019.




Apesar de aprovada na Câmara dos Deputados em dois turnos, a proposta de Deforma
Tributária seguirá para o Senado Federal, onde acontecerá uma nova votação, e,
após os trâmites legais, a Deforma poderá ser transformada em Emenda
Constitucional ou retornar para a Câmara dos Deputados para ser votada novamente
(no caso de modificação substancial em seu texto).




Agora você deve estar se perguntando, mas por que estamos chamando a tal da
“Reforma Tributária” de Deforma Tributária, não é mesmo? Ah, motivos não
faltam...




Todo o marketing envolvendo a Deforma foi pautado em slogans como simplificação,
desoneração da carga tributária, redução de desigualdades, fim da guerra fiscal,
dentre outros termos sedutores para se utilizar no segundo país que mais tributa
empresas no mundo.




Afinal, quem seria contrário a esses termos? Alguém por aí é contra algum destes
ideais que normalmente estão atrelados ao avanço e ao desenvolvimento? Tenho
certeza que não! E é justamente neste ponto que a Deforma começa. 




Um bom marketing desenhado para ser impossível de você ser contra a ideia
proposta. Mas afinal, que ideia é esta? Se fala em tantas propostas
“inovadoras”, que vão revolucionar o sistema tributário brasileiro e solucionar
todos os seus problemas de uma só vez. O que está no texto que foi aprovado
pelos Deputados às pressas numa madrugada de sexta-feira do dia 07/07/2023? Será
que eles mesmo saberiam nos dizer?




Tentando esclarecer a Deforma que está sendo proposta como solução para todos os
nossos problemas (à lá “Organizações Tabajara”), a ROIT vem explicar o que, de
fato, diz o texto da PEC 45/2019, nos termos em que votada. Porque, no final das
contas, o que vale para defesa dos direitos dos Contribuintes é o texto de lei,
e não os slogans marketeiros. 




Vamos começar pela tal da simplificação. Unificação de impostos e leis, para que
o Contribuinte não tenha dúvidas quanto à aplicação da norma tributária. Só que
não. 




A iniciar pelos tributos, de cinco incidentes sobre o consumo, passaremos a ter
três: o ICMS e o ISS se transformam em um único Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS), o PIS e a COFINS serão unificados na Contribuição Social sobre Bens e
Serviços (CBS) e o IPI será extinto e “em seu lugar” (entre muitas aspas)
entrará o Imposto Seletivo (IS). No entanto, isso nem de perto simplifica o
nosso sistema tributário, porque ainda existem diversos tributos relevantes,
como o IOF, a CIDE, CPRB, IRPJ, CSLL, dentre outros, inclusive aqueles
incidentes sobre a folha, como o INSS e Outras Entidades, que sequer foram alvo
da reforma e são os que mais influenciam na geração de empregos no país. 




Quanto ao aspecto unificação da lei tributária, a piada já vem pronta. O texto
da PEC 45/2019, nos termos em que aprovada, faz 58 menções à Lei Complementar.
Isso significa dizer que pelo menos cinquenta e oito vezes a proposta de reforma
está deixando a cargo de uma legislação que sequer existe (ou apresenta um texto
prévio para análise) definir temas relevantes como instituição dos tributos,
hipóteses de incidência, alíquotas e essas definições que pouco importam para
implementação de uma reforma tributária séria e eficaz. Na verdade, o slogan da
Deforma deveria ser insegurança jurídica, incertezas e armadilhas.




Isso sem falar nos diversos termos que abrem brechas interpretativas no decorrer
do texto da Emenda Constitucional proposta. Ou seja, ao invés de simplificar,
utilizando-se dos pelo menos 25 anos de jurisprudência já consolidada dos
Tribunais Superiores acerca de termos tributários, passamos a interpretar tudo
do absoluto zero. 




Já pensou que teremos novas discussões a respeito do IBS e da CBS (e das demais
alterações) que poderão levar mais de dez anos para serem solucionadas pelo STF
e pelo STJ, como foi o caso do conceito da receita bruta para fins de inclusão
do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS (“tese do século”) e o conceito de
insumo para crédito de PIS e COFINS? Isso tudo custa muito dinheiro e quem irá
bancar a conta, como sempre, seremos nós, Contribuintes!




E há quem diga que estamos sendo sarcásticos ao chamar a tal da “Reforma” de
Deforma...




Com a aprovação da Deforma Tributária, nos termos em que encaminhada para o
Senado, a base tributária irá aumentar. Produtos que hoje não são tributados
pelo ICMS ou pelo ISS passarão a ser tributados pelo IBS, tais como: locação de
bens móveis e imóveis, serviços de streamings e toda a operação que envolva o
consumo e cessões de direitos.




Além da ampliação da base de incidência da tributação, o aumento da carga
tributária não para por aí! Ela se dará por diversas outras razões, uma delas é
o ITCMD que passará a ter uma alíquota obrigatoriamente progressiva e o IPVA que
também passará a contar com a progressividade de alíquota. 




Ainda contaremos com a criação do Imposto Seletivo, que passará a tributar tudo
que o Estado (latu sensu) considerar “prejudicial à saúde”, poderá ter suas
alíquotas alteradas por simples Decreto do Poder Executivo (e não por Lei
Complementar), podendo compor a base de cálculo do IBS, CBS, ICMS e ISS – estes
últimos durante o período de transição – além da possibilidade de ter a mesma
base de cálculo de outros tributos. 




Neste ponto é importante ressaltar que dizer que a alteração pode ser dada via
Decreto é o mesmo que dizer que ela pode ocorrer via Medida Provisória, que
apesar de ser um instituto criado para situações emergenciais, sabemos que, na
prática, sua utilização acaba sendo mitigada. Portanto, do dia para a noite,
podemos ter novas alíquotas para tributos que influenciam diretamente nas
operações das empresas, determinando, inclusive, a lucratividade destas, de
forma a extirpar qualquer sinal de segurança jurídica que ainda temos,
desincentivando ainda mais a atividade empresarial no país.




Ou seja, o novo Imposto Seletivo – assim como toda esta Deforma – vai contra
todos os princípios basilares do Direito Tributário. Isso que chamamos de
inovação! Inovação invertida e pró-fisco, contrária às garantias fundamentais
dos Contribuintes! Viva ao progresso da Deforma!




Além do Imposto Seletivo, outros tributos poderão ser atualizados por Decreto,
podendo majorar a carga tributária sem necessidade de aprovação pelo Poder
Legislativo, bastando um ato unilateral do Poder Executivo. São eles: Imposto
sobre a Importação e Exportação, o IPTU, o IPI (enquanto vigente) e o Imposto
Cambial. Acho que já tá ficando claro o maior beneficiário dessa história toda,
não é mesmo?




Para deixar ainda mais simples a nossa Deforma Tributária, o IBS é um prato
cheio para substituir o ICMS e o ISS, afinal, este diminuirá a guerra fiscal
entre os Estados, acabando com os benefícios fiscais e simplificando as normas
tributárias esparsas em nosso sistema, não é mesmo? Risos. 




Senão vejamos, as alíquotas do referido imposto ainda são desconhecidas, e,
mesmo se aprovada a Deforma, serão variáveis, determinada por cada
Estado/Município da Federação por Lei específica. Quando o Estado ou Município
não tiver promulgado sua lei, a alíquota padrão será definida pelo Senado. Isso
porque a tal da “alíquota única” de IBS será válida somente para o período de
transição, enquanto os Estados e os Municípios ainda estiverem cobrando o ICMS e
o ISS, respectivamente. Após o período de transição, as alíquotas de IBS
passarão a ser definidas pelos critérios de cada Estado e de cada Município. 




E como isso fica na prática? Hipoteticamente, caso a alíquota nacional padrão
for definida em um patamar de 25% (nenhum valor está definido no texto), cerca
de 9% deste tributo será destinado para a União, 14% será destinado para o
Estado onde o imposto é cobrado e 2% será destinado ao município onde a operação
está sendo realizada. Caso o Estado do Paraná decida que não quer um percentual
de 14%, mas sim de 19%, o contribuinte estabelecido no Estado do Paraná passará
a pagar o IBS na alíquota de 30%, para equilibrar com a alíquota do Estado do
Paraná. Ou seja, o caos continuará instaurado, porque cada Estado e cada
Município continua autorizado a criar suas próprias alíquotas, majorando a carga
tributária de acordo com a localização do Contribuinte.




E aí nos perguntamos: onde está a simplificação? Ainda teremos complexidade,
exceções e regras distintas. Sem falar em uma bem provável Guerra Fiscal
invertida, uma vez que ao invés de as empresas buscarem o melhor local para
instalar suas operações, os Consumidores passarão a buscar o melhor local para
viver.




Já em relação aos benefícios fiscais de ICMS, estes vão ser extintos assim que
aprovada a Deforma, e antes mesmo do fim da cobrança do próprio ICMS, que
ocorrerá somente em 2032. É que conforme dito anteriormente, a ideia do novo
sistema tributário proposto é deslocar a cobrança do tributo na “origem” para o
“destino”, acabando com a lógica dos Estados atraírem investimentos através de
concessões de incentivos tributários.




E o saldo credor de ICMS dos contribuintes? Como vai ficar caso a Deforma seja
aprovada? O saldo destes créditos deverá ser informado pelos Estados e Distrito
Federal ao Conselho Federativo do IBS para que seja compensado pelo prazo
remanescente, no caso de créditos de ativo permanente, e, em 240 meses para os
demais casos, nos termos da Lei Complementar (ainda não editada), em uma espécie
de “meu ICMS, minha vida”.




Em razão da Lei Complementar ainda não ter proposta de redação, nem
especulações, este ponto ainda é nebuloso na Deforma, o que vai gerar
dificuldade para as empresas planejarem o recebimento dos créditos que têm
direito. O final dessa história nós já conhecemos e provavelmente acabará com os
Contribuintes precisando recorrer ao Poder Judiciário (redução da litigiosidade,
não é mesmo? kkkk).




Sobre os créditos remanescentes de PIS, COFINS e IPI, não há previsão sobre como
se dará a compensação ou restituição destes, nem sequer uma menção a ser
definida em Lei Complementar. 

Como visto, os benefícios fiscais serão extintos, mas depende, porque existirão
“benefícios regionais” e o texto ainda prevê hipóteses de não incidência,
imunidade, regimes específicos, diferenciados ou favorecidos. Ou seja, a Deforma
não vai simplificar tanto quanto promete.




Além disso, a proposta de Deforma, nos termos em que enviada para o Senado, fere
o princípio constitucional do Pacto Federativo, o qual garante a igualdade,
autonomia e independência dos Entes Federados, uma vez que aumenta a competência
tributária da União, reduzindo, consequentemente, a dos Estados e Municípios. 




Apesar de se falar na distribuição dos recursos arrecadados, a simples
distribuição não garante a autoadministração dos Entes, uma vez que esta exige
competência tributária própria para instituir tributos, regulá-los, e,
inclusive, conceder benefícios fiscais sobre eles, conforme falamos
anteriormente. Ou seja, no contexto em que posta a Deforma, os Entes Federados
(leia-se: Estados e Municípios) vão perder sua capacidade de autogerenciamento,
uma vez que não poderão gerir as receitas tributárias, já que extirpada suas
competências do texto constitucional, ficando à mercê das decisões tomadas pela
União nesta seara.




Todo o exposto corrobora ainda mais o fato desta Proposta de Emenda
Constitucional ser consubstanciada em inconstitucionalidades, e, caso assim não
o fosse ou se o objetivo final não fosse aumentar a arrecadação, onerando a
cadeia produtiva e o consumidor final, o governo não precisaria ter investido
quase 8 bilhões de reais em “empurrões” para os deputados aprovassem o texto da
PEC 45/2019 na calada da noite.




Além disso, as manchetes a favor desta Deforma sempre disseram frases como
“não-cumulatividade plena, sem distorções como ocorre no ICMS, para desonerar a
cadeia produtiva e tornar o imposto mais transparente”. Ocorre que não é isso
que está apresentado no texto da PEC 45/2019.




Como mencionamos, o que assegura o Contribuinte é o texto constitucional e não
manchetes de jornais ou sites de notícias. Todas as nuances aplicadas ao IBS e à
CBS se assemelham mais do que deveriam ao atual ICMS, com todos os mecanismos
prontos para criação de conflito entre Contribuintes e Fisco, alterando somente
a majoração da carga tributária. A história da diminuição da lide tributária
administrativa e judicial cai por terra.




Se aprovada nos termos em que se encontra, a Deforma Tributária não apresentará
uma não cumulatividade plena, existindo previsão de exceções ao crédito de IBS e
CBS. Sem falar que existe a mesma brecha que causou o caos na não-cumulatividade
do ICMS: o imposto será não cumulativo nos termos “a ser definido em Lei
Complementar”.




Somado a isso, a substituição tributária continua sendo permitida pela Deforma,
mesmo após a instituição do IBS e da CBS, uma vez que a norma do art. 150, §7º,
que assim autoriza tal mecanismo (principal problema do ICMS) continuará vigente
no sistema.




Ou seja, todo esse alvoroço que está acontecendo ao redor do IBS e da CBS é um
prato cheio para que se torne tudo mais do mesmo, com todas as restrições ao
crédito (ou cashback, como preferirem chamar), tornando-os cumulativos no início
da cadeia produtiva, onerando excessivamente os adquirentes, que terão que
trabalhar com maior capital de giro. 




Com tudo isso, o agronegócio será um dos setores mais afetados, subindo
diretamente o preço do alimento para o consumidor final, apesar da “alíquota
zero da cesta básica” que hoje já é realidade na maioria absoluta, para não
dizer na totalidade, do território nacional. É que todos os benefícios fiscais
das etapas de produção anteriores à chegada dos produtos no consumidor final
serão extirpados do sistema, deixando a operação significativamente mais
onerosa, o que consequentemente aumentará o preço final do produto,
independentemente da alíquota zero na etapa final. Isso sem falar na discussão
que vai ser gerada acerca do Imposto Seletivo, defensivos agrícolas e o suposto
“impacto ao meio ambiente” ...




Seguindo o agronegócio, o setor de serviços também será um grande afetado por
esta Deforma que está sendo apreciada. Isso porque ao invés de recolher
alíquotas de ISS que variavam entre 2 e 5%, se o texto for aprovado, passarão a
recolher o IBS com valores desconhecidos, mas com patamares muito superiores. 




Além destes setores, o sistema tributário como um todo será afetado
negativamente. Isso porque a Deforma proposta é defeituosa e mais amplia os
problemas tributários do país do que soluciona problemas. A saída proposta pela
PEC 45/2019 é onerar os Contribuintes, mascarando o aumento da carga tributária
como uma revolução simplificadora cheia de contrapartidas e cashbacks, que, na
prática, sabemos que serão créditos quase impossíveis de serem recuperados, seja
por falta de sistema, seja por falta de expertise tributária do próprio
contribuinte, já que o sistema não vai ser simplificado!!




Além da problemática dos créditos que não terão estorno, nada se falou sobre os
créditos de IBS e CBS sobre a folha de pagamentos. O INSS é o tributo que mais
impacta no fator contratação e geração de emprego no país e ficou de fora da tal
reforma tributária revolucionária. Como acreditar em uma reforma que não aborda
um tema tão importante para o desenvolvimento? Ou, pior, ignora completamente
princípios basilares que dão segurança ao empresário (e ao investidor
estrangeiro) para desenvolver atividades econômicas no país?




Isso tudo sem falar no prazo de transição estabelecido: para os contribuintes
será de 8 anos e para os Entes Federados o prazo será de 50 anos. 




O período de transição na nossa singela opinião é a parte mais cômica e que
deixa ainda mais em evidência tudo que pode dar errado nesta Deforma. Em
primeiro lugar porque se estabeleceu que em 2026 se cobrará uma alíquota de 0,1%
de IBS e 0,9% de CBS, em uma espécie de test drive com o Contribuinte, a fim do
próprio governo poder entender o quanto cobrar destes novos tributos (enquanto
não deixa de arrecadar com o ICMS, ISS, PIS e COFINS). 




Tudo isso, no mínimo, nos demonstra que nem mesmo foi realizado um estudo de
viabilidade econômica para a Deforma proposta, que sequer tem alíquotas
pré-definidas ou um plano bem estruturado, pronto para dar certo.




Outro ponto, não menos importante, é o caos que esse período de transição vai
causar, tanto para as empresas, quanto para os consumidores. O que era para
simplificar, está vindo para complicar, e muito mais! Além de cumprir as leis
antigas, o contribuinte precisa estar ciente das novas legislações, que, como
vimos, não serão poucas, além de estar atento aos prazos, requisitos e
obrigações acessórias para a transição. Tudo isso em um curto período de oito
anos :)




De tudo que expomos até agora concluímos que quando a Deforma for
definitivamente efetivada, já precisaremos de uma nova reforma, pois já terão
visto todos os seus problemas. Enquanto isso, nós, Contribuintes, seguiremos de
marionetes (para não falar ratos de laboratório), sendo obrigados a nos
sujeitarmos a todas essas nuances com cada vez menos prerrogativas.




De toda forma, aprovada ou não esta Deforma, a ROIT está aqui para te auxiliar
nesse período de incertezas que virá. 




Ficou com dúvida? Clique aqui e fale com um especialista.







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